DESAPARECIMENTOS

Taxista desapareceu após sair para vender carro com PM

Policial militar foi apontado como responsável por sequestro e execução de motorista de táxi para ficar com carro da vítima

 

O taxista Jair Pereira Barbosa tinha 33 anos, mulher, três filhos e um quarto em gestação quando saiu de casa em 9 de abril de 1971 dizendo que ia se encontrar com um policial militar para tratar da venda do seu carro. Engordava a renda com compra e venda de veículos usados. Dessa vez, negociava seu DKW-Vemag novo.

Jair contou para a esposa que o cabo José Henrique Madureira, da Polícia Militar, que trabalhava na cadeia de Sete Lagoas, tinha um comprador para o carro. E foi ao local de trabalho do PM. De lá os dois seguiram em direção ao suposto interessado, um fazendeiro da região. Jair nunca mais foi visto com vida.  

Ele morava com a família em uma rua paralela à cadeia de Sete Lagoas. Desde aquele dia, sua mulher, seus cunhados e seu sogro deram início à uma busca. Era comum irem à delegacia e receberem a informação que Jair havia sido visto em outra cidade mineira. E para lá se deslocavam, sem nunca encontrar qualquer pista.

Nesse período, o sogro e os cunhados do taxista sofreram várias abordagens de PMs. O sogro, que era ferroviário e maestro da centenária Banda União dos Artistas – ainda hoje ativa – chegou a ser apontado como um dos chefões do jogo do bicho em Sete Lagoas. Uma mentira. Ele nunca esteve envolvido com delito algum.

A perseguição só acabou com intervenção de líderes da Igreja Católica que conheciam o sogro de Jair. Eles conseguiram inclusive a troca da cúpula da Polícia Civil em Sete Lagoas, ao exigirem uma resposta para o desaparecimento do taxista. Os antigos policiais eram vistos como cúmplices dos sumiços de presos da cadeia.

Após surgirem notícias das ossadas na Fazenda Porto Mesquita, em Angueretá, distrito de Curvelo, em 1975, parentes receberam a informação que Jair havia sido morto naquela propriedade e jogado em uma cisterna. O cabo Madureira era o suspeito de ter cometido o crime, com o intuito de ficar com o dinheiro da venda do DKW-Vemag. 

Escrivão incriminou cabo e soldado

O cabo Madureira, o soldado Antônio Pereira Chaves e o escrivão José Geraldo do Espírito Santo foram apontados como policiais da cadeia de Sete Lagoas envolvidos no sumiço e execução de presos levados para Angueretá.

Em depoimento prestado em 4 de julho de 1975, Espírito Santo disse não saber da Chacina de Angueretá, mas contou ter sido levado pelo cabo Madureira à Fazenda Porto Mesquita, em 1968, para presenciar a execução de três homens. 

Espírito Santo afirmou ter testemunhado o triplo assassinato após ser abordado pelo cabo Madureira no meio da rua, em Sete Lagoas, e ser convidado para um eio num carro dirigido por outro policial. O escrivão contou ter ado mal quando atiraram nas três vítimas, amarradas umas às outras. 

Madureira, Chaves e Espírito Santo foram citados por outros acusados e várias testemunhas como assassinos de Angueretá. José Teixeira Maciel, o Zé Bigode, que confessou crimes em depoimento, apontou dois desses policiais como executores de três homens na Porto Mesquita. E acrescentou outro. 

Sem precisar a data, Zé Bigode contou que numa noite de 1968, chegaram a Porto Mesquita o cabo Madureira, o escrivão Espírito Santo e o carcereiro Raimundo Teixeira, o Diquinho. Traziam três homens com as mãos amarradas para trás. Zé Bigode relatou que todos seguiram até a beira da “cisterna da cascalheira”, onde ele e os policiais balearam os homens nas costas. 

Além do ano e da quantidade de pessoas mortas naquela noite, os depoimentos de Zé Bigode e de Espírito Santo batem em outro ponto. Zé diz que o escrivão desmaiou, mas após dar ao menos um tiro. Ainda segundo Zé, Madureira pegou a arma do colega no chão e a descarregou nas vítimas.

Cadeia de Sete Lagoas. Foto: Fred Magno/O Tempo

Sem corpo, delegado apontou morte presumida

Também em depoimento, Madureira negou qualquer envolvimento no desaparecimento de Jair Barbosa e em outros crimes. Mesmo sem o corpo, a Polícia Civil deu o caso como encerrado, com “morte presumida”, baseado nos depoimentos e nas evidências sobre o destino do taxista. Assim, a esposa dele ou a receber pensão do Estado.

Já o soldado Chaves, outro envolvido na matança de Angueretá, segundo os investigadores, comandava a cadeia de Sete Lagoas, que também abrigava delegacias da Polícia Civil. Ele e Madureira investigavam crimes, a pedido de empresários e fazendeiros. Prendiam suspeitos. Tudo de maneira informal, sem registros.

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O espaço permanece aberto para manifestações de instituições e familiares das pessoas citadas. Informações sobre os crimes em Angueretá podem ser enviadas para [email protected].