Apontado como um dos responsáveis pela Chacina de Angueretá, José Luís Figueiredo, dono da Fazenda Porto Mesquita, em Curvelo, onde em 1975 foram encontrados 19 crânios e outros ossos em duas cisternas, morreu em Sete Lagoas, mas foi enterrado no cemitério do distrito onde ainda fica a propriedade, vendida por ele em 1970.
Zé Figueiredo e seu mais fiel amigo e “jagunço”, Feliciano Duarte Maciel, o Nego Cecílio, foram sepultados lado a lado, na entrada do cemitério de Angueretá. Mas só o jazigo de Nego Cecílio, que morreu em 1993, tem a devida identificação. Zé Figueiredo faleceu dois anos antes, com problemas de saúde agravados pelos tiros recebidos.
“O Zé Figueiredo ficou paralítico lá em Sete Lagoas, depois do tiro na boca, mas ele fez questão que fosse enterrado aqui em Angueretá”, conta João Gonçalves Martins, 81 anos, amigo de Zé Figueiredo. A informação foi confirmada à equipe de O TEMPO por parentes de Nego Cecílio que ainda moram em Angueretá.
O que nenhum deles confirmou foi a participação do patriarca em crimes, como assassinatos. A maioria disse que não sabia nada sobre as mortes atribuídas a Zé Figueiredo e seus jagunços. Mas todos fazem algum tipo de referência, como Tânia Duarte, 59 anos, uma das filhas de Nego Cecílio.
“Eles [policiais] iam com o povo na porta da nossa casa, chamavam o papai no particular e ele ia”, comentou Tânia, sem dar nomes. Ela disse lembrar apenas que tal povo eram pessoas presas em um jipe – testemunhas disseram que esse era o modelo de veículo usado por PMs para levar pessoas para serem mortas em Angueretá.
Nego Cecílio tinha 54 anos quando as ossadas foram descobertas, em 1975. Ele havia ocupado o cargo de delegado de Angueretá, mesmo sem saber ler nem escrever. Era o período da ditadura militar. Funções como esta geralmente eram entregues a pessoas de confiança das lideranças políticas locais, alinhadas ao regime.
Tânia Duarte conta que, após as escavações nas cisternas, os filhos de Nego Cecílio o questionaram sobre seu envolvimento na matança. Ele dava respostas vagas, sem negar nada. “Quando a gente perguntava sobre a cisterna, ele não falava muita coisa, dizia apenas assim: ‘Mas tudo que nós jogamos lá dentro não prestava’”, relata Tânia.
Maria Martins Maciel, viúva de Feliciano Duarte Maciel, o Nego Cecílio, segura foto do casal - Foto: Fred Magno/O TEMPO
Ela deu as declarações ao lado da mãe, Maria Martins Maciel, 95 anos. A viúva de Nego Cecílio, com quem se casou aos 19 anos e teve 15 filhos, ressaltou que tanto o marido quanto Zé Figueiredo nunca cumpriram pena pelas mortes das pessoas jogadas nas cisternas. “O povo tinha respeito pelo Zé Figueiredo. Ele não era ruim, não matava assim as pessoas não”, ressaltou.
Já sobre os crimes atribuídos ao marido, disse que ele nunca falou sobre nada. “Ele não contava o ado dele para ninguém, e virou delegado. Não era delegado, era coroné, como o povo chamava. Não tinha esse negócio de concurso. Era escolhido. Ficou cuidando da polícia aqui. De vez em quando, os policiais que vinham de Curvelo e Sete Lagoas até tomavam banho na nossa casa”, relatou.
Além de amigos, Zé Figueiredo e Nego Cecílio eram primos. Figueiredo também era padrinho de alguns dos filhos do outro, que ganhou o apelido por ser filho de Cecília – ele era branco. E, conforme jornais e revistas da época, Nego Cecílio confessou a participação em um dos homicídios que teve o envolvimento do primo, após se apresentar espontaneamente em uma delegacia especializada, em Belo Horizonte.
Ele assinou a declaração no inquérito que apurou o assassinato de Manoel da Costa Lima, o Manoel Nortista, que teria sido morto com tiros disparados por Zé Figueiredo. Ainda segundo a Polícia Civil, Nego Cecílio disse ter visto o primo, seu sobrinho Cléber Oliveira de Machado e um terceiro homem, Antônio de Oliveira Machado [irmão de Cecílio], discutindo com Manoel Nortista, em Angueretá.
Cecílio estava a cavalo, tocando gado que havia comprado em Belém (PA) para ser colocado na Porto Mesquita. Ainda segundo o inquérito, ele disse ter visto seu irmão atirar em Nortista. Com a vítima já caída em uma poça de sangue, gemendo de dor, com marcas de dois tiros, Cecílio decidiu dar mais dois tiros, “para acabar de morrer logo”. Por fim, contou que não sabe nem procurou saber o destino do corpo.
Cecílio repetiu a história a jornalistas, após depoimento na Delegacia de Homicídios, em Belo Horizonte, em 7 de julho de 1975. “Um dia eu ia tocando gado, que tinha comprado em Belém para a Porto Mesquita, e vi o Zizinho atirando num nortista. Eu, então, atirei também. Dei dois tiros. Não vi mais nada depois disso porque era de noite”, contou.
Ao longo do processo, perante um juiz, todos os acusados negaram participação no crime. Alegaram ter confessado a policiais civis após tortura na delegacia, em Belo Horizonte. Alguns disseram ter assinado depoimentos já prontos. O caso de Nortista foi a julgamento em Curvelo em 1977. Não houve condenação.
O espaço permanece aberto para manifestações de instituições e familiares das pessoas citadas. Informações sobre os crimes em Angueretá podem ser enviadas para [email protected].