Perto de completar um ano desde os atos de depredação aos edifícios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, conduziu uma análise retrospectiva desse período, destacando as mudanças realizadas pelos Poderes desde então. 

Em entrevista exclusiva ao O TEMPO Brasília, ele evitou fazer críticas aos órgãos como a Polícia Federal (PF) e a Rodoviária Federal (PRF), e enfatizou um discurso mais pacificador. Braço direito do ministro Flávio Dino, Cappelli tornou-se figura proeminente no início do governo, ocupando duas posições estratégicas em meio aos desdobramentos do 8 de janeiro. 

Designado pelo presidente Luiz Inácio Lula da da Silva (PT), ele atuou como interventor federal da segurança pública do Distrito Federal (DF) por 23 dias, e também exerceu o papel de ministro interino do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) após uma crise interna envolvendo o então aliado do petista, general Gonçalves Dias, que renunciou ao cargo após um vídeo em que ele aparecia durante a invasão ao Planalto.

“As ações daqueles que erraram precisam ser tratadas com firmeza, devem ser punidas, porém não podemos confundir indivíduos que cometeram erros com instituições que têm décadas, muitos anos de serviço", disse. 

Cappelli avalia que o último ano foi marcado por avanços na "consolidação da democracia" após os atos de 8 de janeiro. Além disso, destacou a união entre os Executivo, Legislativo e Judiciário. Ele ressaltou que era uma relação que se encontrava debilitada na gestão anterior de Jair Bolsonaro (PL), sobretudo durante o período das eleições presidenciais.

O secretário também abordou as expectativas relacionadas ao evento agendado para o dia 8 de janeiro de 2024, um ato em prol da democracia que terá lugar no Congresso Nacional, contando com a participação dos líderes dos Poderes. Essa iniciativa foi idealizada pelo presidente. 

"O presidente Lula propôs a realização de um grande ato em celebração à democracia no dia 8 de janeiro de 2024, e essa ideia foi abraçada pelos chefes dos demais Poderes. Será um momento de celebração democrática, revigorada após os inaceitáveis ataques que sofreu. Acredito que será mais um dia para a história do Brasil”, analisou.

Confira a íntegra da entrevista no vídeo abaixo:

 

 

Rumos da Lesa Pátria

Sem fornecer detalhes numéricos ou antecipar novas operações, o secretário-executivo do Ministério da Justiça afirmou que as ações da Polícia Federal (PF) no âmbito da operação Lesa Pátria, que tem como alvo pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro, seguirão adiante sem um prazo definido para encerrar. Ele também assegurou que todos os envolvidos nos eventos serão responsabilizados.

"Hoje em dia, a probabilidade de alguém cometer um crime sem ser identificado é muito baixa. No caso do 8 de janeiro de 2023, houve essa preocupação de que muitas pessoas pudessem ter fugido, mas eu sempre afirmava que a Polícia Federal faria o seu trabalho e localizaria todos os envolvidos nos crimes”. 

“Isso porque, hoje em dia, em praticamente qualquer lugar, há câmeras ou alguém filmando. O trabalho da operação continua nesta perspectiva, sem uma data definida para terminar. A PF segue coletando provas, conduzindo investigações, e tenho certeza de que todos que cometeram algum crime serão identificados e tratados conforme a lei", acrescentou.

Monitoramento de atos em 2024

Cappelli também falou sobre a estratégia governamental de monitoramento para investigar potenciais ameaças de ataques no 8 de janeiro de 2024, uma preocupação entre os chefes de Poderes. Ele enfatizou que, até o momento, não há indícios concretos nesse sentido, afirmando que a ocorrência de um novo conflito na capital federal é improvável.

"Até o momento, não há nada [sobre ameaças], e eu não acredito que [o que ocorreu] vá se repetir porque a resposta dos Poderes, a resposta do governo federal e a resposta do STF deixaram muito claro o que é liberdade de manifestação e o que são ataques inaceitáveis à democracia brasileira.

Ele, no entanto, reconheceu a possibilidade de manifestações por parte de grupos que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro: “Protestos são próprios da democracia. O Brasil é um país livre, democrático, qualquer manifestação democrática é sempre bem-vinda no país. Agora, manifestação democrática não se confunde com ataque às instituições, não se confunde com depredação do patrimônio público”.

Tom conciliador com as polícias

Na entrevista exclusiva concedida ao O TEMPO Brasília, Cappelli adotou uma postura conciliadora em relação às instituições policiais, defendendo a importância de evitar generalizações sobre os agentes dessas forças. Como número dois no Ministério da Justiça e cotado para assumir o lugar de Flávio Dino na pasta, ele expressou sua convicção de que não vê um cenário da chamada "bolsonarização" das polícias.

"Eu não concordo que a PF e a PRF tenham agido a serviço do governo anterior. Concordo que alguns quadros da PF e alguns da PRF certamente o fizeram, mas não podemos confundir a atitude de alguns com a postura da imensa maioria dos servidores dessas instituições, que desempenham um papel vital na segurança pública do Brasil”, disparou.

Num gesto de aproximação com as forças policiais, Cappelli destacou ainda as iniciativas do governo federal direcionadas a esse segmento, mencionando ainda as frequentes reuniões com os comandantes das polícias militares, os delegados gerais das polícias civis e os secretários de Segurança Pública de todo país.

"Em 2023,  relançamos o Bolsa Formação no âmbito do Pronasci. Estamos implementando mais de 100 mil bolsas no valor de R$ 900 para nossas forças policiais. Além disso, estamos trabalhando na elaboração e publicação, até fevereiro, das diretrizes nacionais para a utilização de câmeras corporais, um dispositivo que protege o bom policial, auxilia na atividade policial e contribui para a obtenção de provas. Este é um esforço no qual temos investido".

Homem de confiança de Flávio Dino, secretário adota discurso ameno

Se no ado recente Ricardo Cappelli foi direto ao apontar publicamente responsáveis pelos acontecimentos do 8 de janeiro de 2023, desta vez o secretário absteve-se de mencionar explicitamente qualquer figura pública. Por exemplo, em janeiro, ele atribuiu a ação ao então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, Anderson Torres.

Quando questionado se enquadraria determinados atos como sabotagem por parte de alguns, como havia dito anteriormente sobre a atuação de Torres, Cappelli optou dessa vez por seguir sua linha atual de evitar associações diretas entre instituições e indivíduos. No entanto, ele destacou a conivência e a carência de liderança por parte das autoridades responsáveis.

“Nós vivemos no dia 8 de janeiro, sem sombra de dúvida, uma tentativa de golpe no Brasil. Não aconteceria o que aconteceu se não houvesse uma certa cumplicidade, ou uma certa permissividade, conivência de quem tinha a autoridade para impedir que aquilo acontecesse. Faltou no dia 8 foi liderança, capacidade, e vontade de fazer aquilo que tinha que ser feito”.

Ele avaliou ainda que houve uma contaminação “pela polarização política” e que isso perdurou mesmo com o fim das eleições. “Quem exerce a função pública, seja do governo ou das polícias, tem que ter isso muito claro: a função pública não se confunde com a opção político partidária eleitoral do no momento sagrado do voto. Sem sombra de dúvida, no dia 8 de janeiro houve uma tentativa de golpe e houve falha de quem deveria manter a segurança aqui no Distrito Federal”.

Ato pela democracia no DF, e Ibaneis em Miami 

Apesar de destacar a presença de autoridades do ato pela democracia, Cappelli comentou sobre a falta do governador do Distrito Federal (MDB), Ibaneis Rocha, no evento em Brasília. Ele estará em viagem para Miami, nos Estados Unidos, de 28 de dezembro a 15 de janeiro de 2024, conforme informado por sua assessoria de imprensa.

"Olha, é natural que servidores públicos, inclusive gestores, tirem férias durante o mês de janeiro. Isso é absolutamente normal. Parece que o governador já tinha suas férias programadas. E meu papel não é ficar emitindo opinião sobre as férias de A, B ou C, muito menos as de um governador de estado”, disse o secretário.

Embora mencione a "naturalidade", a ausência de Ibaneis Rocha chama a atenção de pessoas próximas de Lula, considerando que ele foi afastado do cargo no dia seguinte aos acontecimentos de 8 de janeiro. Em março, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou seu retorno ao comando do Distrito Federal.