Reeleito no primeiro turno das eleições em outubro de 2022, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), teve os primeiros 100 dias de seu segundo governo - completados nesta segunda-feira (10) - marcados por uma decisão que o tirou do jogo por mais da metade desse período. Ele ficou afastado do cargo por 66 dias, ando a gestão para a vice-governador Celina Leão (PP).
Ibaneis foi retirado do cargo na noite de 8 de janeiro, uma semana depois de tomar posse, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão se deu horas depois da invasão das sedes dos Três Poderes por bolsonaristas radicais que estavam acampados há cerca de três meses na região central de Brasília.
O afastamento foi motivado pela suposta omissão de autoridades públicas com o planejamento dos atos criminosos na capital. A suspeita foi potencializada pela insistência do governador em tornar o ex-ministro da Justiça Anderson Torres no secretário de Segurança Pública do DF (SSP-DF). Torres era aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tido como líder pelos invasores, e está preso.
“Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às Instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores e os anteriores e atuais agentes públicos coniventes e criminosos, que continuam na ilícita conduta da prática de atos antidemocráticos”, disse Moraes em sua decisão.
O governador foi autorizado a retornar ao cargo apenas em 15 de março após sua defesa pedir a revogação do afastamento. Antes justificando que Ibaneis teria tido uma “conduta dolosamente omissiva”, Moraes entendeu que, com o andamento das investigações, não havia mais requisitos legais para manter o governador fora da função.
“Os Relatórios de Análise da Polícia Judiciária relativos ao investigado não trazem indícios de que estaria buscando obstaculizar ou prejudicar os trabalhos investigativos, ou mesmo destruindo evidências, fato também ressaltado pela defesa e pela Procuradoria-Geral da República”, explicou o ministro.
"É importante dizer que esse afastamento que nós tivemos ao longo desse período foi necessário. Vivemos momento de dificuldade. Recebi o afastamento pelo ministro [Alexandre de Moraes, do STF] com todo respeito, paciência. Volto com coração limpo, cabeça tranquila", disse Ibaneis em seu primeiro pronunciamento após retomar o governo do DF.
Sem Ibaneis, a segurança pública do DF ficou sob a responsabilidade do interventor federal Ricardo Cappelli até 31 de janeiro. A intervenção foi decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que cumpria agenda em Araraquara (SP), poucas horas após as invasões. Com o fim do decreto, a gestão da pasta local ou para o secretário Sandro Avelar.
Em 13 de janeiro, Ibaneis chegou a prestar depoimento à Polícia Federal no inquérito que investiga autoridades, como ele, Torres, o ex-secretário de Segurança Pública interino do DF, Fernando Sousa de Oliveira, e o ex-comandante da Polícia Militar do DF, Fábio Augusto Vieira.
No dia dos atos criminosos, o governador foi procurado por autoridades preocupadas com as ameaças dos bolsonaristas radicais, como a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Foram analisadas na investigação as mensagens trocadas por Ibaneis no 8 de janeiro. Uma das principais conversas foi com Fernando Sousa de Oliveira, que estava no comando da SSP-DF na ausência do titular Anderson Torres. O ex-ministro de Bolsonaro havia viajado com a família para os Estados Unidos na véspera das invasões, dois dias antes do início oficial de suas férias.
Nas mensagens, Ibaneis demonstrou controle ao garantir a Flávio Dino, durante a manhã, a “situação tranquila, no momento". No fim do dia, porém, o então ministro da Justiça recebeu do governador: "Vamos precisar do Exército". Entre as mensagens, Ibaneis não atendeu uma ligação de Dino.
Também aliado de Bolsonaro nas eleições de outubro, assim como Celina Leão, Ibaneis buscou uma aproxiamação com Lula. Ao retomar o cargo, chegou a ligar para Cappeli. “Recebi a ligação do governador @IbaneisOficial que me parabenizou pela condução da intervenção federal na segurança pública do DF. O povo espera dos governantes união e trabalho. O bem da nossa querida capital federal é o mais importante. Desejo sucesso neste seu retorno”, publicou o interventor no Twitter em 16 de março.
Crise na saúde e críticas na educação não cessaram; servidores públicos terão reajuste de 18%
A saúde pública é um desafio constante e resistente às mudanças de governos. Com quase 3 milhões de habitantes no DF, as filas para atendimentos e procedimentos são históricas e geram crises intensas, além da falta de insumos, equipamentos, etc. Este é considerado o principal desafio da atual gestão, que inclui ainda construir novas unidades de saúde e ampliar o quadro funcional.
Em fevereiro, com Ibaneis afastado e Celina Leão como governadora interina, funcionários do Hospital de Base, um dos principais na região central de Brasília, denunciaram o sucateamento da unidade. Na cozinha, as enferrujadas e piso quebrado. Nos banheiros, registros de alagamento. Já nos quartos de descanso de profissionais que atuam em sistema de plantão, más condições.
Referência em trauma, o Hospital de Base se transformou em Instituto após Ibaneis articular, em seu primeiro mandato, a criação do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IGESDF). Alvo de críticas de uma ala política, Ibaneis defende a expansão do modelo de istração das unidades públicas de saúde. O tema foi amplamente abordado em sua campanha à reeleição e tratado como uma “solução” para a crise da saúde.
Declarada como prioridade pelo governador, a educação também virou foco de ataque no governo Ibaneis, apesar de sofrer tensões igualmente persistentes. Em maio de 2022, o governador afirmou que seu governo abriu mais de 10 mil vagas em creches, “diminuindo a fila de 22 mil para em torno de 11,5 mil”. Ele também anunciou obras de reconstrução de escolas antigas, onde não era mais possível maquiar com reformas.
O Sindicato dos Professores do DF (SinproDF) é um dos autores das duras críticas ao governo local e já declarou, em março deste ano, que a “falta de estrutura é projeto político de Ibaneis”. A diretora da entidade, Mônica Caldeira, afirmou que há um “projeto de destruição da educação”. Na ocasião, ela comentava sobre o atraso no ree de verba pública.
“Ao não chegar na escola, esse dinheiro faz falta para coisas básicas, como troca de lâmpadas queimadas, aquisição de material pedagógico e pequenas compras do dia a dia. Então, quando a comunidade percebe a lâmpada queimada, ou a falta de papel e de tinta guache, esse sintoma é, na verdade, a consequência final desse projeto de destruição da educação. Some a isso as turmas superlotadas, que não permitem ao docente dar a atenção adequada ao aluno. Isso prejudica o processo de ensino-aprendizagem. Isso é consequência de não contratação de concursados. Isso tudo é resultado de ausência de investimento em educação”, disse.
Também em março deste ano, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou a suspeita de irregularidades relacionadas à compra de alimentos destinados à merenda escolar da agricultura familiar pela Secretaria de Educação do DF. As suspeitas incluíam s falsas de agricultores na lista das cooperativas e falhas técnicas na avaliação dos preços dos alimentos. As licitações foram feitas por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), com recursos do governo federal. A pasta negou irregularidades.
Já os servidores tiveram boas notícias neste início do governo Ibaneis 2. Em 23 de março, ele anunciou reajuste salarial de 18% para servidores públicos do DF. O aumento será pago de forma gradativa em três parcelas. Já servidores comissionados terão aumento de 25%. Esses reajustes já foram aprovados em dois turnos pelos deputados distritais. Ibaneis declarou que um levantamento fiscal confirmou que as “contas [do DF] am com grau de tranquilidade esses reajustes”.
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