Dependência química, um problema legalizado
Consumo excessivo de remédios sob receita

Quando conversamos sobre abuso de substâncias farmacológicas, existe sempre um perigoso limiar de responsabilidades. É difícil entender onde começa e onde termina a responsabilidade de quem procura e a de quem oferece.
Fora casos excepcionais, o abuso de substâncias comumente se inicia com uma prescrição médica.
Consigo empatizar com o desejo de retirar a dor do paciente da forma mais rápida e eficiente possível. Ninguém com um senso moral e ético gosta de ver o outro sofrer.
No entanto, esse desejo muitas vezes faz com que sejam queimadas muitas etapas do processo, etapas em que se enquadraria, por exemplo, o uso de medicamentos mais leves, que, pelo desespero para alcançar a efetividade, são ignorados.
O impacto desse contato varia de indivíduo para indivíduo, mas, principalmente para quem já tem alguma propensão ao vício, pode ser o início de uma nefasta jornada de perigoso convívio com farmacológicos e dependência química.
Falamos aqui de “drogas” legalizadas, que estão a apenas uma receita de distância.
Não apenas as condições psicológicas do indivíduo devem ser analisadas, como também a fase da vida em que ele está. Os idosos, por exemplo, são mais vulneráveis aos efeitos colaterais e até à dependência devido à diminuição da capacidade de metabolização dessas substâncias.
Até aqui, abordamos os aspectos de risco, mas todos dentro de certa legalidade. No entanto, é importante ressaltar a existência cada vez mais comum de farmácias clandestinas ou de associações de médicos com farmácias específicas feitas com o fim de facilitar o o a esses perigosos medicamentos.
Para ter a receita que quiser, basta ir ao endereço, solicitar ao médico o medicamento desejado e, obviamente, pagar pela consulta. Como num e de mágica, você agora tem em mãos perigosos poderes, mesmo que, de fato, clinicamente, não precise deles.
Os efeitos não são tão diferentes de uma dependência química ilícita – também há afastamento do trabalho e de grupos sociais, agressividade, síndrome de abstinência etc. Porém, não é encarado socialmente como algo tão perigoso como deveria ser.
Já lidei com pacientes que tomavam 20 comprimidos de morfina por dia para patologias que, sabidamente, poderiam ser tratadas de forma muito mais segura e efetiva.
Ao encontrar pacientes com esse quadro, geralmente se observam dois perfis: um que tenta de alguma forma conseguir mais medicação, e outro que está visivelmente desesperado para sair dessa situação.
Por mais que eu entenda que os dois precisam de ajuda, só consigo segurar a mão do segundo paciente. Por mais que tente, é impossível cuidar daquele que nem ao menos acredita que precisa de ajuda. Não dou a receita e explico tudo da melhor forma que posso. Geralmente eles saem bravos da consulta e chegam até mesmo a fazer reclamações por escrito.
Em silêncio, eu costumo pedir a Deus que oriente – não há muito mais o que possa ser feito