Tempo de ser feliz
Viver com qualidade é uma escolha diária
Como você está? Parece uma pergunta simples, mas ela guarda dentro de si a resposta que me diz se um tratamento será bem-sucedido ou não.
Quando digo isso, não o pelo diagnóstico. Duas pessoas com o mesmo problema podem ter respostas muito diferentes para essa pergunta, mesmo possuindo os mesmos sintomas.
Quando recebo uma descrição minuciosa do quadro, com datas, detalhes, histórias, e percebo toda uma vida girando em torno do problema, me dou conta de que será um paciente desafiador.
A identidade do indivíduo e seu problema se tornaram indissociáveis; para se entender no mundo, o paciente se apoia na dor. Como tirar a dor de alguém que sem ela não é ninguém?
Temos, então, o retorno à máxima: a medicina precisa olhar para cada ser como um indivíduo único se quiser realmente se propor a construir saúde em longo prazo.
Não podemos, obviamente, assumir o papel de Deus na vida do paciente; em algumas situações temos que nos conformar em apenas aliviar a dor que nos é apresentada sem uma solução real para o problema exposto, mesmo que esta exista. Se não for do interesse do paciente, não posso dizer que deve ser.
Por isso escrevo.
Por que é tão comum encontrar pessoas tão apegadas à própria infelicidade?
É preciso ter olhos para ver o que muitas vezes o próprio paciente não entende. Nesses casos o problema não tem o tamanho de seu quadro clínico, e sim o tamanho emocional. Oferecer ao paciente uma solução simples demais pode soar até mesmo como uma ofensa, e nesses casos o acolhimento é nossa melhor ferramenta. É preciso deixar o olhar médico de lado e enxergar o problema com olhos de amigo íntimo.
Legitimar a dor e o sofrimento é essencial. A dor sempre é do tamanho que o paciente me relata, seja ela maior ou menor do que seu problema real.
Essa situação comumente é encontrada em dois perfis completamente opostos. Pode ser um registro de uma vida difícil, perada por abusos, negligências e traumas, em que a dor se torna uma ferramenta para legitimar a própria existência e necessidade de cuidado e atenção, mas também pode ser encontrado em perfis de pacientes que não tiveram muitos desafios na vida. Dessa forma, o mais simples problema parece ser um óbvio sinal de que eles foram abandonados por Deus ou algo pior.
Recebo também pacientes que parecem maiores que a vida, me procuram com problemas que sinto assustarem muito mais a mim do que a eles.
Eu me recordo com carinho e saudade de uma paciente cheia de vida, feliz, plena, repleta de amigos. Estava com um câncer extremamente invasivo e morreu um dia depois de me encontrar, mas, enquanto estava viva, viveu.
Não conseguimos ter certeza do tempo que temos, mas podemos escolher como podemos viver.
Essa escolha é diária e exige muita coragem e honestidade para nos enxergarmos como somos, para escolhermos viver a vida plenamente. Temos que olhar para nossas feridas e permitir que elas se curem. (Instagram dra Meira Souza)