CLAUDIO BUENO GUERRA

Faz dez anos que o rio Doce se tornou amargo

Os impactos da tragédia da barragem de Fundão, em Mariana

Por Artigo de Opinião
Publicado em 21 de maio de 2025 | 07:00

Claudio Bueno Guerra é mestre em recursos hídricos pelo Unesco Institute for Water Education, em Delft, na Holanda

Em novembro de 2025, completam-se dez anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, maior tragédia socioeconômica e ambiental do país, que atingiu 49 municípios e, direta e indiretamente, uma população de 2,2 milhões pessoas. A situação econômica, social e emocional em que se encontram as populações afetadas, particularmente as comunidades ribeirinhas ao longo do rio, em Minas Gerais e no Espírito Santo, continuam a sofrer consequências da tragédia. Depois de uma década ninguém foi a julgamento ou foi preso.

Segundo dados do Projeto Rio Doce (FGV, 2024), outros impactos se destacam: 11 toneladas de peixes mortos; 860 ha de Mata Atlântica destruídos; 1.551 ha de solos degradados; 675 km de rios afetados; quatro terras indígenas atingidas; o PIB de Minas Gerais e do Espírito Santo encolheu cerca de R$ 250 bilhões entre 2015 e 2018; a redução da produção agropecuária foi da ordem de R$ 22,4 milhões em três anos; o desemprego quadruplicou na região estuarina; e a perda de renda foi estimada em R$ 11,6 milhões.

A lama percorreu 875 km pelo rio, chegou ao oceano Atlântico e até o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, gerando impactos graves na biodiversidade aquática e terrestre.

Fundação Renova

As três mineradoras responsáveis pela tragédia, Samarco, Vale e BHP Billiton, contrataram a Fundação Renova, em 2016, para istrar os recursos financeiros em programas de assistência social e psicológica aos atingidos, indenizá-los e fazer programas reabilitação ambiental do território. Depois de quase nove anos, os resultados da Renova foram pífios. Entretanto, esta fundação, em 2019, “fechou o caixa” com um superávit de R$ 13 milhões, ainda que com investimentos vultosos em marketing e em “informativos patrocinados”, em veículos de comunicação.

O Ministério Público Federal pediu seu fechamento por “desvio de finalidade”. O setor da mineração de grande porte, apesar de seu poderio econômico, tecnológico e político, continua cometendo os mesmos erros há décadas. As duas tragédias socioeconômicas e ambientais, que causaram a morte de 300 pessoas, mostraram que a abordagem puramente financeira dos recursos naturais da grande mineração continua e está alicerçada na certeza da impunidade.

Acordo de Mariana

Depois de inúmeras negociações, em 2023 e 2024, entre o governo federal, MP Federal, Advocacia Geral da União e representantes das mineradoras, conseguiu-se chegar ao Acordo de Repactuação para a Bacia do Rio Doce, que, lançado em 25/10/2024, em Brasília, teve a presença dos presidentes da República e do STF. Os investimentos do acordo chegam a cerca de R$ 170 bilhões. Uma nova estrutura e modelo de gestão estarão sob a responsabilidade e comando do governo federal, em parceria com os dois Estados e os 49 municípios envolvidos.

Um detalhe importante é que durante os dois anos de negociações não houve a participação da parte mais interessada: os atingidos e o Comitê da Bacia Rio Doce.

Impunidade e expectativas

Depois de uma avalanche de críticas, o governo federal realizou a 1ª Caravana Interministeriável com técnicos de 13 ministérios que visitaram a população na região para ouvir e informar sobre o novo acordo. 

Depois de uma década de impunidade, a população atingida vive hoje um misto de expectativas, descrença, dúvidas de que novo modelo de gestão governamental vai funcionar e suas vidas voltarão ao que eram antes, enquanto o rio Doce continua amargo.

(*) Engenheiro ambiental, professor, autor de 11 livros, consultor ambiental na bacia do rio Doce nos últimos 30 anos