BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (4) o julgamento que discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O dispositivo determina que plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros mediante ordem judicial.
A decisão da Corte pode mudar a forma como as redes sociais operam no Brasil.
A retomada ocorre após o ministro André Mendonça devolver o processo à pauta, encerrando o prazo regimental de 90 dias úteis desde seu pedido de vista, feito dois dias antes do recesso judicial, em 18 dezembro de 2024. A análise do caso havia sido suspensa quando Mendonça afirmou precisar de mais tempo para avaliar os impactos jurídicos e sociais da matéria e retoma com o voto dele.
Liberdade de expressão e responsabilidade das plataformas no centro do debate
O julgamento envolve dois recursos extraordinários (RE 1037396 e RE 1057258) que tratam da retirada de conteúdos ofensivos da internet. O ponto central é se empresas como Google, Meta e X podem ser obrigadas a excluir postagens com base apenas em notificação extrajudicial – ou se a remoção deve ocorrer exclusivamente por ordem judicial.
Os relatores de cada um dos recursos, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, já votaram pela inconstitucionalidade do artigo 19. Ambos defenderam que a proteção ampla oferecida às plataformas, sem responsabilização prévia, compromete o combate à desinformação e a garantia de direitos fundamentais.
O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, antecipou seu voto e defendeu que a norma é parcialmente inconstitucional, propondo três frentes de regulação: remoção por ordem judicial, remoção por notificação extrajudicial e dever geral de cuidado das plataformas.
Barroso manteve a exigência de ordem judicial para remoções em casos de crimes contra a honra e ilícitos civis, mas defendeu que, para crimes graves – como pornografia infantil, terrorismo, tráfico de pessoas e incitação ao suicídio – , a simples notificação deve ser suficiente. Segundo ele, as plataformas têm o dever de prevenir a circulação desses conteúdos, podendo ser responsabilizadas por falhas sistêmicas.
O voto também presume responsabilidade das empresas em casos de conteúdo impulsionado, se não tomarem medidas após aprovação da publicidade, e prevê obrigações adicionais como canais de denúncia, transparência e devido processo.
Barroso prioriza julgamento antes de deixar presidência do STF
O processo tem alta prioridade na gestão de Barroso, que pretende concluir temas de grande repercussão até o fim de seu mandato na presidência, em outubro. Segundo interlocutores, o ministro vê no julgamento uma oportunidade de estabelecer um marco jurídico mais eficaz para a internet brasileira, num cenário em que o discurso de ódio e a disseminação de fake news ganham cada vez mais espaço on-line.
O artigo 19 é considerado o principal pilar da atual legislação sobre internet no Brasil, criado com a intenção de proteger a liberdade de expressão nas redes. Contudo, seus críticos afirmam que a regra acabou favorecendo a impunidade e dificultando a responsabilização por abusos.