DEPOIMENTO NO STF

Testemunha de Torres diz que live de Bolsonaro ‘assustou’ e que MJ não tinha prova de fraude nas urnas

Antônio Ramirez Lorenzo prestou depoimento ao STF como testemunha do ex-ministro e disse, ainda, que não houve ordem de 'direcionamento' político nas eleições

Por Lucyenne Landim
Atualizado em 28 de maio de 2025 | 10:29

BRASÍLIA - Uma testemunha de Anderson Torres afirmou, nesta quarta-feira (28), que o ex-ministro da Justiça não tinha “indisposição” em relação ao sistema eleitoral porque “não havia nada tecnicamente comprovado que desacreditasse as urnas eletrônicas”. Por isso, a live convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para falar sobre o assunto em 29 de julho de 2021 “assustou” a equipe de Torres.

A declaração foi dada por Antônio Ramirez Lorenzo durante depoimento no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele foi indicado testemunha pela defesa de Torres no âmbito da ação penal da suposta tentativa de golpe de Estado. No governo Bolsonaro, ele foi chefe de gabinete de Torres e secretário-executivo do Ministério da Justiça (MJ). 

Lorenzo informou que o convite para a live chegou por lligação telefônica recebida do Palácio do Planalto e que o pedido era para que a transmissão ocorresse na sede do Ministério da Justiça, e não no Palácio da Alvorada, local que Bolsonaro usava para falar semanalmente a seus seguidores

“Foi um evento bastante emblemático para a gente no ministério. Eu recebi uma ligação informando que haveria a live tradicional com o presidente e que naquela semana seria no MJ, com a pauta urnas eletrônicas. Fiquei surpreso e falei com o ministro. Eu quis retirar a pauta do MJ”, contou, acrescentando que a pauta era “polêmica”. 

Lorenzo contou que também atuou para diminuir a exposição de Torres na transmissão e para “buscar algum conteúdo essencialmente técnico” para que o ministro falasse, “algo que pudesse ser dito sem maior comprometimento por ser um tema sensível”. 

A testemunha relatou que conseguiu transferir a live para o Alvorada e que atuou diretamente no conteúdo que seria dito por Torres. A equipe do então ministro usou um relatório feito por peritos da Polícia Federal (PF) sobre eleições anteriores e grifou trechos específicos para que fossem lidos ao lado de Bolsonaro. Dessa forma, disse que Torres poderia “se eximir de emitir opinião ou entrar no achismo em relação às urnas”. 

“Curiosamente, por muito pouco ele não participou. O presidente chegou e ensaiou a finalização da live. Isso não deve aparecer nas câmeras, mas uma assistente ou por debaixo da mesa e avisou Bolsonaro que Anderson estava do lado de fora. Ele chamou o ministro, que entrou e leu aquele material que a gente tinha separado para ele”, relatou. 

Questionado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes se havia, no MJ, “indisposição” com o sistema eleitoral ou com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lorenzo respondeu: "Não havia. Tanto que quando eu recebi esse telefonema, eu fiquei bastante assustado porque é uma pauta polêmica, todo mundo encontra uma versão e não vale a pena mexer com isso”. 

Lorenzo completou: “Não havia indisposição do ministro Anderson em relação às urnas. Não havia nada tecnicamente comprovado que desacreditasse as urnas". 

A testemunha também relatou que não ouviu qualquer tratativa sobre golpe de Estado no MJ. De acordo com ele, havia uma “insatisfação de todos com o resultado” das eleições, um “clima de velório”, especialmente nas primeiras 48 horas, “mas jamais se pensou em outra hipótese que não fosse a transição [de governo]”. 

“Minha vida seria muito mais fácil se eu não tivesse vivido essa situação no MJ. Nunca, jamais se falou em golpe. Eu só ouço na mídia”, declarou. 

Reuniões 

Ainda no depoimento, Lorenzo frisou que em reuniões sobre policiamento no período eleitoral, não houve “direcionamento” de Torres para ações políticas que pudessem prejudicar eleitores do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Em nenhum momento houve direcionamento [político]. O direcionamento era para o crime [eleitoral]”, disse. 

A testemunha afirmou que “se houvesse um plano insidioso”, Bolsonaro teria vencido as eleições no primeiro turno, “porque a filosofia foi a mesma nos dois turnos”. “Nunca teve um direcionamento maligno para um candidato ou para outro. A linha sempre foi combate ao crime”, repetiu. 

"O ministro sempre mostrou isenção e separação entre o que era a ação do ministério e qualquer preferência pessoal. As orientações enquanto ministro eram voltadas no combate ao crime. Evidentemente, todos nós estávamos no governo Bolsonaro, mas as ações eram isentas”, garantiu. 

Lorenzo também afirmou que não era incomum que Torres levasse documentos para casa pela rotina do cargo que ocupava. Ele citou que, muitas vezes, eram pedidos recebidos em agendas oficiais ou discursos preparados pela equipe para algum evento na manhã do dia seguinte. "A gente sempre montava uma pasta de despachos. Ele colocava no carro e ia para casa”, disse. 

Em 2022, a Polícia Federal encontrou uma minuta de golpe de Estado na casa de Torres. O objetivo do documento seria reverter o resultado da eleição, em que Lula teve vitória sobre a tentativa de reeleição de Bolsonaro - ação que é inconstitucional.