CORRUPÇÃO

Juiz é afastado em nova fase de operação que apura esquema de venda de sentenças no STJ

PF mira esquema de lavagem de dinheiro montado para dissimular pagamentos milionários de propinas em troca de decisões judiciais 

Por Renato Alves
Atualizado em 29 de maio de 2025 | 08:52

BRASÍLIA – A Polícia Federal deflagrou, nesta quinta-feira (29), a 8ª fase da Operação Sisamnes, para aprofundar a investigação em relação aos crimes de corrupção judiciária e lavagem de dinheiro envolvendo venda de sentenças em tribunais estaduais e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), foram cumpridos três mandados de busca e apreensão no Mato Grosso, ordem de afastamento das funções públicas do juiz Ivan Lúcio Amarante;

Conforme ordem assinada pelo ministro Cristiano Zanin, do STF, a PF poderá sequestro de bens e contas dos investigados até o limite de R$ 30 milhões. Zanin também mandou confiscar o aporte do juiz, para ele não deixar o país.

O magistrado era lotado na 2ª Vara da Comarca de Vila Rica (MT), mas já estava fora das funções por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Agentes fizeram buscas em endereços dele e de pessoas próximas ao juiz. São investigadas possíveis propinas de uma empresa de transporte a parentes do magistrado, em esquema de lavagem de dinheiro da venda de sentenças.

Investigação levou a grupo de extermínio que mirava ministros do STF

Na quarta feira (28), com a deflagração da 7ª fase da Operação Sisamnes, a PF revelou a descoberta de grupo de espionagem e extermínio durante a investigação sobre o assassinato do advogado Roberto Zampieri, conhecido como “lobista dos tribunais”.

Investigadores também descobriram que os possíveis assassinos do advogado faziam espionagem e atuavam como grupo de extermínio, com pistoleiros profissionais. 

Autointitulado Comando C4 (Comando de Caça Comunistas, Corruptos e Criminosos), ele era formado por militares da ativa e da reserva, além de civis frequentadores de clubes de tiros.

O Comando C4 cobrava até R$ 250 mil para monitorar ministros do STF. A espionagem de deputados custava R$ 100 mil. A de senadores, R$ 150 mil. Dados estão em material apreendido pela PF.

Os nomes do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e dos ministros Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes, do STF, estavam em uma agenda apreendida com um dos integrantes do grupo.

O UOL revelou que o nome de Pacheco apareceu em anotações vinculadas à expressão “vigilância armada”. Essas referências descreviam uma possível ação de monitoramento em uma data na qual o então presidente do Senado estava voltando ao Brasil de uma viagem ao exterior. 

As anotações e conversas também mencionam Moraes e Zanin. Para a PF, essas citações estavam vinculadas ao planejamento de possíveis ataques aos ministros do STF.

Ainda não está claro se havia algum crime encomendado contra essas e outras autoridades. A organização criminosa também mantinha arsenal de guerra para suas “operações”. 

Pacheco presidiu o Senado por quatro anos, até fevereiro de 2025, quando foi alvo de manifestações que pediam intervenção militar e fechamento do Congresso, além da prisão dos ministros do STF. 

Moraes era um dos principais alvos dos manifestantes, apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), assim como em diversos atos que culminaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Mensagens de advogado morto com 10 tiros sustentam apuração 

A investigação sobre a execução de Roberto Zampieri primeiro levou à investigação que resultou no afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) em outubro de 2024.

A operação que levou ao afastamento dos magistrados foi subsidiada por milhares de mensagens de texto e áudio recuperadas do celular de Zampieri.

O conteúdo do celular do advogado levantou suspeitas de vendas de decisões por gabinetes de quatro ministros do STJ. Este caso é investigado pela PF e está sob sigilo no STF, sob relatoria do ministro Cristiano Zanin. 

A investigação do assassinato é objeto de inquérito da Polícia Civil do Mato Grosso, que indica como uma das motivações processos de disputas de terras que tramitam no Tribunal de Justiça estadual. 

Os casos de supostas vendas de sentenças no MS e no MT também são investigados no STJ e no CNJ. 

Um dos investigados é Anderson Gonçalves, apontado como o principal lobista de Roberto Zampieri, o advogado assassinado. Peritos da PF identificaram áudios de Gonçalves no celular de Zampieri, em que relata cobranças de pagamentos em aberto ao advogado. 

Com base em mensagens encontradas no celular de Zampieri, após a morte dele, os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, de Mato Grosso, foram afastados pelo CNJ em agosto de 2024, também por suspeita de venda de decisões judiciais. 

Anderson Gonçalves seria um dos responsáveis por aproximar Roberto Zampieri de desembargadores, tanto em MT quanto em MS, visando decisões favoráveis a clientes do advogado.

Na decisão em que mandou afastar os dois desembargadores do MT, o corregedor nacional do CNJ, ministro Luis Felipe Salomão, também determinou a abertura de investigação sobre reclamações disciplinares contra os dois magistrados, além da quebra de sigilos bancários e fiscal dos investigados e de servidores do TJMT, referente aos últimos cinco anos.

Em um dos casos investigados, o CNJ descobriu que os dois desembargadores mantinham uma amizade com Roberto Zampieri e recebiam dinheiro para julgar recursos de acordo com os interesses do advogado. 

Lavagem de dinheiro, extorsão, falsificação, organização criminosa e funcionários fantasmas

A investigação que resultou no afastamento dos cinco desembargadores é um desdobramento da Operação Mineração de Ouro, deflagrada em 8 de junho de 2021, na qual foram apreendidos materiais com indícios da prática dos crimes. 

O inquérito da Mineração de Ouro derivou de telefonemas interceptados na Operação Lama Asfáltica, que apurou a suposta venda de decisões, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e contratação de funcionários fantasmas.

  • A Mineração de Ouro investigou o suposto envolvimento de conselheiros do TCE-MS em organização criminosa especializada em fraudes em licitações, superfaturamento de obras e desvio de recursos públicos.
  • Naquele período, foram cumpridos mandados contra os conselheiros Waldir Neves, Osmar Jeronymo e Ronaldo Chadid. Segundo dados da PF, foi apurado esquema de contratação de funcionários fantasmas no TCE-MS e desvio de verbas públicas.
  • Durante os cumprimentos dos mandados, agentes apreenderam R$ 1,6 milhão em endereços ligados aos três conselheiros. Os policiais encontraram ainda 7,2 mil dólares, 4,5 mil euros e 200 libras esterlinas. Ao todo, 20 pessoas são investigadas.

Em 8 de dezembro de 2022, a PF deflagrou a segunda fase da operação, batizada de Terceirização de Ouro. Ela apurou o contrato entre o TCE-MS e a Dataeasy Consultoria e Informática, com sede em Brasília.

Para a investigação, ficou demonstrado que a previsão de pagamentos por meio de Unidades de Serviços Executados (USEs) buscou o superfaturamento e o desvio de recursos públicos, gerando o descontrole da relação contratual.

Nessa fase, foram afastados dos cargos os conselheiros Iran Coelho das Neves, Waldir Neves e Ronaldo Chadid.

Em 10 de julho de 2024, foi deflagrada a terceira fase, denominada Operação Casa de Ouro. Ela foi fruto do aprofundamento das investigações, que tem como objetivo apurar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

A investigação cita imóvel de alto padrão negociado em 2016 e que teria como dono, de fato, Waldir Neves, apesar de ficar em nome de laranja. Em 2018, a casa foi vendida. 

Segundo a PF, o imóvel foi colocado em nome da empresa do amigo de infância de Neves, Vanderlei Morais, por meio de contrato celebrado com João Nercy Cunha Marques de Souza, naquela ocasião, assessor e funcionário particular do conselheiro. 

Investigadores aram três anos analisando documentos e trocas de mensagens apreendidos e interceptados nas três fases da Operação Mineração de Ouro, até o desencadeamento da ação desta quarta-feira.