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Papuda: Um dos mais famosos presídios do país herdou nome de fazenda centenária
A Papuda, que tinha gado de leite e corte era mantida por pessoas escravizadas, foi uma das grandes fazendas desapropriadas para a construção de Brasília
BRASÍLIA – Papuda é sinônimo de presídio para a maioria dos brasileiros, principalmente por abrigar detentos famosos, como políticos e empresários envolvidos em esquemas de corrupção. O que poucos sabem é que o complexo penitenciário de Brasília tem este nome por ter sido erguido em terras da Fazenda Papuda.
A propriedade de 7 mil alqueires, onde foram criadas milhares de cabeças de gado de corte e leite, ficava em terras do município de Luziânia (GO). Ela foi uma das grandes fazendas desapropriadas e entregues à União para a construção de Brasília, a nova capital, que seria inaugurada em 21 de abril de 1960.
A escritura da Fazenda Papuda data de 26 de junho de 1900, mas os limites originais do terreno estão em um livro de registros de 1869. Documentos arquivados no 1º Tabelionato de Notas de Luziânia (GO), cidade mais antiga do Entorno do Distrito Federal, região formada por cidades goianas e mineiras que circundam Brasília.
Antes da construção da nova capital e da BR-040 (Brasília-Rio de Janeiro), o trajeto entre a Papuda e a área urbana de Luziânia era feito geralmente a cavalo, lombo de burro ou carroça. Viagem que poderia levar um dia inteiro de viagem e até dois dias, se realizada em carro de bois.
Há diferentes versões propagadas oralmente para origem do nome Papuda. Mas a mais comum é que uma das três irmãs donas da fazenda tinha bócio, doença que afetava muitas pessoas da região, que aumenta o volume da glândula tireoide, ocasionando o papo ou papeira.
Outra versão bastante difundida cita a mesma doença, mas com personagens diferentes. “Muitos contam que na fazenda morava um casal de negros que sofriam de bócio e portanto tinham um papo que deu origem ao nome papuda. A falta de sal na região provocava a doença”, conta Paulo Sérgio Sena Santos, 60 anos.
Paulo mantém um site com histórias de São Sebastião. Muitas delas sustentadas pela memória oral dos antigos moradores. Entre eles, Edvair Ribeiro, 63, considerado um dos principais responsáveis pela preservação desta memória. Ele, como poucas, conhece a história da fazenda Papuda.
“Muitos dos meus parentes trabalharam na fazenda Papuda. Eu conheci a casa onde era sede. Ela estava em ruínas. Eu era uma criança, mas aqui tudo era muito tranquilo. Costumava ir lá com meus vizinhos para brincar e comer jabuticabas. Tinha dezenas de pés”, conta Edvair.
Ele, que se mudou com os pais da área rural da vizinha Formosa (GO) para a Papuda, em 1967, lembra do encanto com a beleza e riqueza natural da região. “Era tudo mata virgem. Com isso, tinha todas as espécies de cerrado, como onça, lobo guará, tatus, pacas”, elenca.
Gado, açúcar, rapadura e farinha
A sede da fazenda seguia o modelo da arquitetura bandeirista com esteios de aroeira, telhas de barro e paredes erguidas em pau-a-pique e adobe. Além da residência e do enorme curral para o gado leiteiro, a Papuda tinha a casa do moinho, onde era fabricado fubá de milho, com uma máquina antiga feita de pedra e movida por água.
Os moradores e empregados ainda fabricavam rapadura e açúcar, com matéria prima da própria fazenda, onde havia canas das espécies caiana, java e rocha. Antes de ter o registro formal da propriedade, a fazenda explorava mão de obra escravizada. Por isso também tinha enorme senzala e um pelourinho, para açoitar os negros .
Além de criar gado para leite e corte, a Papuda produzia arroz, milho e feijão para consumo próprio. Sua mata nativa foi dizimada para dar lugar a pasto e construir móveis, confeccionados pelos funcionários escravizados. Na região havia muita madeira nobre, de alta resistência, como aroeira, landim e cedro.
Fazenda atendia operários que construíram Brasília
Sogra de Edvair, Ana Siqueira Coutinho, 78 anos, nasceu na fazenda Papuda. Aos 14, começou a trabalhar como empregada doméstica na propriedade, onde conheceu o marido Manoel Gercino Coutinho, que era vaqueiro.
“A fazenda tinha de tudo, como açougue e uma vendinha para atender o pessoal que morava ao redor e, depois, os trabalhadores da construção de Brasília. Eu fazia de tudo. Limpava a casa mas também cozinhava e ajudava a fazer rapadura, farinha e outras coisas. Muita coisa também era vendida em Luziânia (GO)”, recorda Ana.
Mesmo após a desapropriação para construção de Brasília, a fazenda continuou ativa. Conforme já apontavam estudos antigos, a região era rica em argila. Por isso o interesse do governo JK (1956-1961). Nas terras da Papuda foram instaladas olarias para fabricação de telhas e tijolos que serviriam à construção de Brasília.
Edvair, que trabalhou em olarias de 1974 a 1985, conta que a sede da fazenda Papuda foi praticamente abandonada em 1960. Sem manutenção, suas madeiras apodreceram e suas paredes desabaram, assim como o telhado, em 1969. Hoje, um depósito de material de construção ocupa a área onde ficava o casarão.
O cerrado foi completamente devastado para abastecer as olarias, e, depois, por máquinas do governo federal, durante a ditadura militar (1964-1985), para dar lugar a eucaliptos e mangueiras, em um programa se propunha a reflorestar a área. A madeira dos eucaliptos também abasteceu os fornos das olarias.
Os trabalhadores atraídos pelas fábricas de telhas e tijolos fixaram residência e formaram uma comunidade, por meio de ocupação ilegal e desordenada, que virou São Sebastião, uma das atuais 35 regiões istrativas do DF.
Já o presídio da Papuda, inaugurado em 1979 com apenas 10 guardas de vigilância e capacidade para 240 presos, integra a região istrativa de Jardim Botânico, desmembrada de São Sebastião.