65 ANOS DA CAPITAL

Sede de fazenda centenária adquirida por médico pioneiro de Brasília foi restaurada recentemente

Imóvel localizado entre Ceilândia, Taguatinga e Samambaia é uma das raras construções centenárias em terras da moderna Brasília

Por Renato Alves
Publicado em 21 de abril de 2025 | 07:15

BRASÍLIA – Entre Ceilândia, Taguatinga e Samambaia, as três mais populosas cidades do Distrito Federal, que juntas somam mais de 700 mil habitantes, uma fazenda preserva um dos poucos imóveis no Planalto Central do tempo em que a mão de obra escravizada enriquecia portugueses e descendentes.

A sede da Fazenda Guariroba é uma das raras construções centenárias em terras da moderna Brasília, que completa 65 anos neste 21 de abril e é famosa mundialmente pelos edifícios monumentais assinados pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelas superquadras do projeto urbanístico de Lucio Costa.

A casa antiga da Guariroba é ainda mais preciosa por ser uma das mais bem conservadas. Datada de 1858 e a menos de 40km do Plano Piloto, teve restauração concluída em março de 2025. A obra manteve seus aspectos naturais, com alicerce de pedra, paredes de adobe e assoalho de tábuas rústicas.

A propriedade hoje é mantida por um sobrinho do mineiro Manoel Sampaio Scartezini, médico pioneiro de Brasília que em 1964 comprou a fazenda para a família ter um lugar de descanso e lazer nos fins de semana e feriados. À época, a recém-inaugurada capital ainda era quase desabitada, sem muitas opções para seus pioneiros. 

Quando comprou a já centenária propriedade rural, a casa sofria com o abandono. Scartezini decidiu recuperá-la. O trabalho de restauração, seguindo a arquitetura barroca, durou dois anos. Nos anos 1990, a fazenda teria reconhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

Nascido em Jacutinga, Scartezini se mudou para Brasília em 1958 – dois anos antes da inauguração da cidade – para compor a equipe médica do Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira (HJKO), um conjunto de galpões e casas de madeira próximo à Cidade Livre (atual Núcleo Bandeirante, região istrativa do DF).

A Cidade Livre era uma área destinada a comerciantes, para atender os construtores de Brasília. O HJKO recebia principalmente os acidentados nas obras, iniciadas em 1957. O hospital improvisado foi a primeira unidade de saúde da nova capital. Sem muitas opções, Scartezini foi morar no alojamento próximo ao hospital. 

Urologista de formação, parteiro no tempo da construção de Brasília por causa da necessidade, Scartezini se transferiu para a radiologia até se aposentar, no início dos anos 1990. Mas a casa da Fazenda Guariroba abrigou a família por anos. Uma das filhas dele se casou e alguns foram batizados na capelinha da propriedade. 

Durante décadas, a Guariroba era o ponto de encontro de todos os Scartezini residentes em Brasília, que se referiam a ela como “sítio do tio Nel”. A propriedade também foi cenário para festas do Divino, Folia de Reis e São João. Uma quermesse anual reunia funcionários da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Parte do imóvel chegou a desabar

Mas, há pouco tempo, o casarão começou a ruir. Parte da fachada chegou a desabar. O destino do imóvel histórico começou a mudar em outubro de 2023, quando um dos sobrinhos do médico pioneiro comprou a fazenda dos primos, filhos de Manoel, que morreu em 2014, aos 85 anos. 

“Desde o início, a minha intenção era restaurar o casarão e preservar a memória do meu tio e da família. Mas não foi fácil nem barato, pois os materiais originais são raros, difíceis de serem encontrados. Envolve mão de obra especializada. Tudo precisou ser feito de forma manual”, conta Duda Scartezini, 50 anos. 

Entre outras coisas, ele encomendou telhas iguais às originais, que precisam ser feitas nas coxas. Foram adquiridas em uma olaria especializada, em Pirenópolis (GO), cidade colonial goiana. Também mandou fazer tijolos de adobe, feitos artesanalmente um a um. Ainda mandou refazer esteios. 

Agora, Duda Scartezini estuda uma série de projetos para a casa e o terreno. Todos envolvem agroturismo, com viés cultural e ambiental. O casarão deve funcionar como um museu da história de Goiás e de Brasília. A antiga área de pasto, que dizimou o cerrado, deve ser recuperada com árvores nativas.