BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de Xandão, no início de seu discurso em cerimônia no Palácio do Planalto que lembrou os dois anos dos atos de 8 de janeiro de 2023.
"Tenho 79 anos, já vivi muito vendo a Suprema Corte brasileira, e nunca conheci um ministro da Suprema Corte que tivesse um apelido, apelido dado pelo povo, chamado Xandão. É um apelido que já pegou. E desse apelido você nunca mais vai se libertar. Pode ficar sério, e não adianta ficar nervoso, que ninguém vai parar de te chamar de Xandão", afirmou Lula ao microfone, olhando para o ministro do STF, em meio a um Palácio lotado de autoridades dos Três Poderes. Muitos aplaudiram e riram, como Moraes.
O presidente voltar a citar "Xandão" ao lembrar do plano, revelado pela Polícia Federal (PF), que envolvia o assassinato dele, de Moraes e do vice-presidente Geraldo Alckmin, após as eleições de 2022.
"Escapei da tentativa junto com o Xandão e companheiro Alckmin de um atentado de um bando de irresponsáveis, aloprados, que acharam que eu não precisava assumir a Presidência depois do resultado eleitoral e que seria fácil tomar o poder", afirmou Lula. "Falei para o Alckmin: acho que Deus é muito inteligente e ele achou que a gente daria mais trabalho aqui", completou.
Lula também falou do acidente que teve no Palácio da Alvorada, quando bateu a cabeça e, depois, ou por três cirurgias. "Achei que tinha chegado o meu fim, não chegou o meu fim. Estava tão otimista, estava pensando até em tomar um gole, estava sem beber até então".
"Cheguei em São Paulo, os médicos estavam horrorizados, porque eu podia ter morrido na viagem ou entrado em coma, o avião democraticamente levou 4h pra chegar. Agora estou com a cabeça limpa e purificada", brincou.
‘Ainda estamos aqui’, ressalta Lula
Já em outro momento, Lula defendeu a democracia com referência direta ao filme “Ainda estou aqui”, que mostra os efeitos da ditadura militar na vida da família do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido após ser levado de casa por agentes do regime.
“Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ainda estamos aqui. Estamos aqui para dizer que estamos vivos e que a democracia está viva, ao contrário do que planejaram os golpistas de 8 de janeiro de 2023", afirmou o presidente.
Lula continuou: "Hoje estamos aqui para que ninguém seja morto ou desparecido em razão da causa que defende. Estamos aqui em nome de todas as Marias, Clarices e Eunices", em citação a Eunice Paiva, esposa de Rubens, retratada em "Ainda estou aqui". "Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ditadura nunca mais, democracia sempre", frisou.
A cerimônia foi aberta pela entrega de 21 obras e objetos históricos danificados dois anos atrás. A primeira-dama, Janja da Silva, fez um discurso.
"O Palácio do Planalto, onde estamos hoje, foi vítima do ódio que estimula e continua estimulando atos antidemocráticos, falas fascistas e autoritárias. Para isso, a nossa resposta é a união, a solidariedade e o amor", disse Janja.
Segundo a primeira-dama, o 8 de Janeiro consistiu em uma tentativa de golpe de Estado. Janja ainda disse que a memória, representada pela restauração dos itens, é um “antídoto contra tentações autoritárias”.
STF já condenou 371 pessoas
A PF concluiu que apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) participaram dos atos de 8 de janeiro de 2023 com o intuito de derrubar o recém-empossado Lula e colocar de volta no Palácio do Planalto o ex-presidente, por meio de um golpe que incluiria as Forças Armadas.
O STF já condenou 371 pessoas por incitação e participação nos atos de 8 de janeiro. Outros quatro réus foram julgados e absolvidos. O episódio de dois anos atrás deixou um prejuízo material ao país de mais de R$ 26 milhões – R$ 11 milhões só no Supremo.
Dos 1.552 processos instaurados na Corte contra os envolvidos, 527 se transformaram em acordos de não persecução penal feitos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) com acusados.
Esse acerto é uma alternativa ao processo judicial tradicional para crimes que não envolvam violência ou grave ameaça e que tenham pena mínima inferior a quatro anos. O objetivo é evitar o encarceramento e aplicar a prisão apenas em casos de risco social efetivo.
O número de acordos – que precisam ser validados pelo STF – chegou a ser avaliado pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, como baixo.
Do total de crimes apurados, 1.093 são simples – como incitação ao crime por pedir a derrubada do governo e associação criminosa – e 459 são graves – como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio.
Ao todo, 78 processados estão em prisão provisória, 70 presos definitivamente e sete em prisão domiciliar.
Dezenas de condenados estão foragidos. Segundo levantamento da PF, ao menos 60 estão em locais desconhecidos. Muitos deles escaparam enquanto aguardavam em liberdade recursos contra as condenações do STF.
Uma parte dos fugitivos se mudou para países da América Latina, como Bolívia, Peru e Argentina. Neste último caso, a polícia local chegou a decretar a prisão desses foragidos, mas só quatro foram detidos até agora.