BRASÍLIA — O burburinho parou quando Hugo Motta pegou o microfone e começou a curta declaração que encerraria a noite. Fortalecido para concorrer à presidência da Câmara dos Deputados, ali na noite de terça-feira (28), ele exibia o apoio público de sete figurões da política — lideranças de alguns dos maiores partidos do país.
A cinco dias da eleição, ele era tietado de um canto a outro do restaurante em um bairro nobre em São Paulo, lugar marcado pela bancada paulista para selar a aliança pela candidatura dele. Não houve quem não o procurasse para um aperto de mão ou um cochicho comedido.
O feito de conciliar ali as presenças de celebridades políticas, ministros de Estado, deputados de correntes opostas e até do filho do apresentador Faustão demonstra um traço da personalidade de Hugo Motta — algo que aliados acreditam que ele manterá enquanto presidente da Câmara dos Deputados.
Herdeiro de Ciro Nogueira (PP-PI) e de um dos mais polêmicos ex-presidente da Casa, Eduardo Cunha, o paraibano se fortaleceu entre os pares enquanto líder do Republicanos, que detém a quarta maior bancada de deputados no Legislativo.
Motta foi a opção de Arthur Lira (PP-AL) para herdar a cadeira da presidência da Câmara dos Deputados, que ocupou por quatro anos. Entretanto, a preferência não é indício de que Motta repetirá as posições do aliado, ou o modo como ele articulava e conduzia pautas e negociações.
Parlamentares acreditam que Motta manterá no cargo seu perfil afeito ao diálogo. "O Lira era mais firme, mais duro. Agora, o Motta, não... O Motta é diplomático", avaliou uma fonte. Outra analisou que, apesar da idade, o líder do Republicanos é experiente.
Aos 35 anos, ele cumpre seu quarto mandato e é o presidente mais novo que a Câmara elegeu na história. Detém também a segunda maior votação para o comando da Casa. O gênio conciliador de Hugo Motta contribuiu para torná-lo favoritíssimo na eleição da Câmara mais de quatro meses antes da votação, contrariando a máxima que vigora em Brasília e que depõe contra campanhas antecipadas.
Hugo Motta não era a primeira opção do partido
Inicialmente, em público, Motta não era a primeira opção do Republicanos; o partido pretendia disputar o cargo com o próprio presidente da sigla, Marcos Pereira (SP). Contudo, a opção pelo paraibano se revelou para os parlamentares, no final das contas, sábia.
O bom trânsito de Motta entre as bancadas garantiu amplo apoio à candidatura dele e derrubou as chances de outros que se lançaram à corrida. Um a um, 18 dos 20 partidos que têm deputados eleitos declararam apoio público à candidatura dele — retirando até as próprias candidaturas, como ocorreu com o União Brasil de Elmar Nascimento (BA) e o PSD de Antonio Brito (BA).
O consenso em torno de Hugo Motta, entretanto, não aconteceu sem indisposições. Muitos deputados aguardavam que Lira definisse Elmar como seu candidato — a opção de Lira por Motta gerou ruídos na relação de amizade que ele mantém com Elmar, e os dois se distanciaram.
Abandonado, o líder do União Brasil decidiu continuar como pré-candidato à Câmara. E, frustrado, ele procurou Antonio Brito, que àquela altura também tentava articular apoios em torno de si. A dupla recorreu à base e até à articulação política do Palácio do Planalto.
Não foi suficiente, e o PT logo declarou apoio a Hugo Motta. Com a multiplicação do núcleo de aliados do deputado do Republicanos, Brito desistiu da disputa. Elmar repetiu o gesto logo depois, pressionado pela bancada do União Brasil.
Uma cena ocorrida enquanto eles ainda eram pré-candidatos exemplifica a força de Motta. Em outubro, um político experiente e líder de uma grande bancada encontrou um deles no Salão Verde; na rápida conversa, ele recomendou que os dois pré-candidatos desistissem e sugeriu que votassem em Motta.
O quadro foi pacificado de tal maneira que os presidentes de União Brasil, Antonio de Rueda, e PSD, Gilberto Kassab, participaram da declaração de apoio à Motta chefiada pela bancada paulista na última segunda-feira (27).
A mudança no cenário levou Motta a uma disputa sem grande concorrência. Seus únicos adversários, Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), não apresentaram ameaça real ao triunfo dele.
Ainda antes da eleição, deputados cobraram de Motta previsibilidade na pauta do plenário, o que não ocorria com Lira. Não eram raras as ocasiões em que o alagoano decidia a pauta no início da sessão plenária, que acabava se arrastando até a madrugada.
O pedido por uma pauta mais previsível e decidida com antecedência partiu, inclusive, da bancada de Minas Gerais — a segunda maior da Câmara (53 nomes), e com a qual Motta esteve em dezembro.
Elo com Eduardo Cunha é traço indispensável da trajetória política de Motta
Herdeiro político de um pai e de avós que acumulam mandatos na Paraíba, com a irmã e a mãe prontas para entrar no cenário, Motta se forjou deputado à sombra do reinado de Eduardo Cunha, então no auge de sua trajetória como um dos homens mais poderosos do país.
A união perdurou quando o cacique perdeu a força em uma sucessão de acontecimentos que inclui a destituição da presidência da Câmara, cassação do mandato e condenação à inelegibilidade por dez anos.
Ainda protagonista da política brasileira, o carioca Eduardo Cunha, impulsionou Motta ao indicá-lo para presidir a I da Petrobras, naquela que se tornou sua primeira grande exibição política.
A aliança que sustentou a indicação de Motta para a I foi alimentada com demonstrações de lealdade que Cunha narrou em um livro autobiográfico sobre o processo que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Aparecem ali reuniões na residência oficial da Câmara, relatos de articulações e até os movimentos de Eduardo Cunha para eleger Motta líder do PMDB — a quem ele classificou como "cumpridor de compromissos".
A ligação com o político alçou Motta à posição de fiel partidário na Tropa de Choque que articulou uma rede de proteção a Eduardo Cunha — e que falhou no intento. A decadência de Cunha começou no bojo da operação da Polícia Federal, e o que iniciou com um afastamento da Câmara dos Deputados terminou na prisão.
Órfão do padrinho, Motta não foi largado à própria sorte. Outro aliado forte, que se mantém grudado a ele, é Ciro Nogueira (PP-PI) — hoje senador e presidente do partido; antes, ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro (PL).
Quem é Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados?
Médico pela Universidade Católica de Brasília, Hugo Motta ainda estudava quando foi eleito para seu primeiro mandato em 2010, aos 21 anos. Nascido em João Pessoa, ele é herdeiro de uma família que domina o sertão paraibano.
O pai, Nabor Wanderley, é prefeito do município de Patos, cargo que ocupa pela quarta vez; o avô paterno também istrou a cidade entre 1956 e 1959. A avó materna, Francisca Motta, foi igualmente prefeita de Patos e é deputada estadual da Paraíba no sexto mandato.
Hugo Motta foi filiado a três partidos — PMDB, PRB e Republicanos e está em seu quarto mandato. Ele é casado e tem dois filhos.