Esta cidade imunda
Os males subjetivos do lixo aceito
Se algum instituto ecológico mundial encomendasse a pesquisa “a cidade mais suja do Brasil”, certamente nossa urbe estaria num dos primeiros postos. E aqui fala um cidadão que percorre muitas ruas a pé, diariamente, atento à sujeira, variando constantemente os trajetos matinais.
Curiosidades escapam à lógica, mas deixam pistas. Na Contorno, proximidades da FIEMG e do Tribunal do Trabalho há uma pracinha onde todas as manhãs deparo-me com, no mínimo, uma dupla de garis frenéticos enchendo os sacos amarelos oficiais. Muito bem: o detalhe é que as áreas da limpeza ficam restritas a meia dúzia de calçadas e igual número de meios-fios. Assim, a coleta resume-se às folhas caídas durante a noite ou trazidas pelo vento. Em torno do privilegiado quarteirão, as ruas menores, repletas de lixo – mesmo! - acumulado há semanas, permanecem intocadas. Pela assiduidade e dedicação dos bravos garis municipais, duas deduções inevitáveis: a) a presença do grande órgão da Justiça na esquina b) algum burocrata graduado reside nas redondezas e desfruta do direito negado aos demais contribuintes.
Como se não bastasse, a participação dos mal-educados contribui para a imundície urbana. Há variáveis dignas de estudos psicossociais. Uma das mais comuns tem forte representação em donos de cães – inventores dos chamados bombons de cocô. O cachorro faz a necessidade na calçada; sua condutora imediatamente desenrola o saquinho plástico, recolhe as fezes, dá um nozinho e.... joga a encomenda num canto, canteiro, esquina ou jardim qualquer.
Outro fenômeno, cada vez mais frequente, são as podas de galhos e imediata deposição ao pé de outra árvore qualquer – desde que bem longe da origem, para afastar suspeitas quanto à infração. Como a Prefeitura não toma atitude – ou só a ali uma vez ao mês – a paisagem vai se enriquecendo. Folhas secas largadas assim têm um poder fantástico de atraírem mais lixo: um saquinho, dois, três; restos de comida numa marmita; papéis picados de um escritório que fez a limpeza nas gavetas; garrafas pet e garrafas de cerveja ali deixadas pelos boêmios noturnos – tudo isso e muito mais. Os ponto de lixo já se tornaram hábito nessa cidade imunda e se acumulam pelas esquinas e terrenos baldios.
Faça sua própria pesquisa: jogue um inocente copinho plástico no canteiro aí perto de casa. Daí a pouco um sujeito depositará um marmitex com sobras de feijão. Uma senhora, de agem, deixará cair no local uma fralda descartável cheinha. Em seguida, virão sapatos velhos, bandejinhas de isopor, cascas de mexerica, absorventes e restos de melancia. Pronto: acaba de nascer mais um depósito a céu aberto. Como prova, ilustra essa coluna a foto que tive o cuidado de fazer ando esta manhã por um desses, entre tantos.
Há tentativas de reverter tal cenário – iniciativas de cidadãos, por suas próprias contas e riscos, o que é irável. Ainda aqui na Serra, nos arredores de um hotel e de um hospital, alguém se deu ao trabalho de construir e instalar uma lixeira metálica muito bem feita. E botou o aviso: “vamos cuidar da nossa vizinhança? Descarte na lixeira” – algo assim. E adiantou? Que nada.
Além dos riscos sanitários e estéticos – coisas que todo mundo vê, mas deixa pra lá – eu, intimamente, vou tirando conclusões. Suspeito que há coisa mais séria por trás do lixo itido, complacente: se o povo tolera a sujeira das ruas como “normal”, ou “aqui é assim mesmo”, é sinal de que também aceita tantas outras sujeiras tradicionais que nos envergonham. Justiça pútrida, governantes emporcalhados, parlamentares asquerosos, a violência imunda, os crimes impunes que já fazem parte de nosso triste cotidiano. É tudo lixo, mesmo.