Todo mundo ganha
E ninguém mais sabe nem aceita perder
Já na primeira Olimpíada os patriarcas gregos decidiram que os prêmios seriam simbólicos: nada além de coroas de folhas de louro que o atleta guardaria em casa com muito orgulho até que a cozinheira, descuidada, botasse tudo na sopa. A simplicidade desse prêmio tinha algo de divino. Afinal, os jogos eram dedicados aos deuses do Olimpo que recomendavam “seja humilde na sua vitória”; “o vencedor de hoje será o derrotado de amanhã”, “na vida tudo a”. Acho que o simples fato de inclinar a cabeça para receber a medalha é proposital; além de configurar uma reverência clássica, remete igualmente a uma atitude de modéstia.
Os esportes trazem esse tipo de mensagem sutil referindo-se ao efêmero das coisas, à transitoriedade. Ao entrar em campo, no ginásio, na piscina, no tatame, o atleta deverá aceitar que sairá de lá com uma vitória ou uma derrota. Usei o verbo “aceitar” de propósito. Para cada vencedor existirá um derrotado, é a regra; o esporte é como a vida, um sobe-e-desce constante. Perder ou ganhar são situações transitórias e cabe ao atleta trabalhar internamente o espírito esportivo, a lealdade, a busca da excelência, a disciplina.
Os budistas costumam dizer que se a vitória é doce, a derrota é sábia – porque com ela aprendemos muito mais. Falhar, cair, estrepar-se vez ou outra é indispensável no processo do aprendizado. Vexames e fracassos terríveis constam das biografias de grandes atletas, cientistas brilhantes, artistas geniais. Na pior das hipóteses, o malogro nos dá as preciosas referências do “como não fazer”, ensinamentos fundamentais até para camundongos de laboratório diante de comedouros automáticos.
Minha coluna está parecendo a reflexão profunda de um pedagogo qualificado. Mas, não: é somente o desabafo por conta da onda exagerada de “sucesso” que nos assola. A ansiedade do triunfo toma conta de todos, seja nos negócios, nos esportes, estudos, no dia a dia. Prateleiras das livrarias estão lotadas de livros sobre “vencer”. Levante uma pedra e um punhado de “coaches” saem correndo, doidos para treinar alguém.
O século XXI é também o berço esplêndido da turma do “eu me acho”. Se acham os melhores alunos. Nota ruim? A culpa é do professor. Se acham os mais competentes no trabalho. Se criticados, é perseguição do chefe. Há uma necessidade doentia de “ganhar” e de exibir sucessos; uma chuva de prêmios, títulos e condecorações que chega a ser cômica. As regras da ascensão estão cada vez menos confiáveis e mais elásticas. A fraude virou uma jogada socialmente aceita e descaradamente impune.
É nessa brecha tentadora da ética que os jovens se atiram na busca de seus sonhos. Com suaves prestações mensais, golpes baixos ou subornando o árbitro, qualquer um exibe o título de campeão em alguma coisa. As revistas de famosos e celebridades mostram apenas o resultado do acúmulo do dinheiro – sem mencionar suas origens – por exemplo, as recentes fortunas roubadas dos aposentados por sindicatos e os amigos dos amigos; aqueles de sempre.
E onde andarão os perdedores, estes indivíduos tão comuns e tão humanos? Foram extintos dentro de nós? Ninguém tem a grandeza de itir um mísero momento de condição desvantajosa. Estamos todos, por obra do marketing pessoal, rumo ao estrelato coletivo.
Porém, pela eterna lei da oferta e da procura, essa inflação de vitoriosos traz um efeito colateral decepcionante: faz despencar o valor das conquistas no mercado. Portanto, caro leitor, prepare seu filho para a vida. Ensine-o a perder, de vez em quando, sem chiar. Dependendo do cenário e das condições gerais, “vencer”, hoje em dia, é mole – e ninguém mais leva isso muito a sério.