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Fernando Fabbrini

Fernando Fabbrini escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

OPINIÃO

Humanos e falíveis

Fatos, intrigas e mistérios dos corredores do Vaticano

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 01 de maio de 2025 | 03:00

A RAI, estatal italiana da comunicação, informou anteontem que bateu um novo recorde de audiência de espectadores diretos, além de outros milhões mundo afora ao compartilhar as imagens “oficiais” do funeral do Papa. Por outro lado, as redes sociais mostraram os bastidores, as cenas inusitadas, as gafes, críticas e postagens bem mais afinadas com o espírito da velha frase latina “voz populi, vox Dei”. Entre outros desatinos, vimos casais bobocas sorridentes fazendo selfies tendo ao fundo o esquife papal. Como a internet ainda é um canal livre, o humor lavou as almas dos cidadãos comuns indignados. Um dos memes que viralizaram exibia o caixão rodeado de políticos e a legenda: “se o Papa abrisse os olhos, certamente pensaria ter chegado ao Inferno”.

Agora virá o Conclave, quando os príncipes da Igreja, seres humanos falíveis, defensores convictos de suas crenças e métodos, buscarão consenso em torno de um nome. Além de todas as pompas que envolvem o Vaticano desde que os muros delimitaram o menor país do mundo em 1929, a História guarda relatos de quando a escolha do posto supremo da igreja era contaminada por riqueza, poder, traições, paixões carnais, corrupção e outras atitudes menos virtuosas.

João XII foi acusado de transformar os estados papais em verdadeiros antros de vícios, incluindo adultérios, assassinatos e simonias, termo que define compra e venda de títulos eclesiásticos. A família Borgia, até hoje sinônimo de trapaças memoráveis, fez-se representar pelo papa Alexandre VI, talvez o mais famoso pelos seus sucessivos escândalos de corrupção, nepotismo e imoralidade. Outro deles, Leão X, envolveu-se numa grande tramoia financeira ligada à venda de indulgências - um dos fatores que incentivaram a Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero. Bento IX, através de conchavos, manteve-se no trono por três períodos. Mas apaixonou-se por uma sedutora dama do Lazio e vendeu o cargo para casar-se. São Pedro Damião chegou a chamá-lo de "demônio dissimulado de sacerdote".

Enfim, não faltam casos escabrosos que contrastam, felizmente, com outros momentos mais leves e prosaicos. Na semana do Conclave que elegeu João Paulo I, em 1978, Roma viveu uma onda de calor inável, típica dos agostos italianos. Por cautela, médicos e enfermeiros montaram plantões dia e noite defronte à Capela Sistina - ventilada apenas por janelinhas no alto - onde os cardeais ficariam trancados. Antes de entrarem, o cardeal de Gênova, Giuseppe Siri, perguntado por um repórter sobre quanto tempo achava que demoraria a eleição, desabafou: “Tomara que acabe logo, lá dentro está um forno”.

A propósito de Albino Luciani e sua morte misteriosa, o escritor inglês David Yallop, interessado em teorias da conspiração, em seu livro “In God's Name” sugere que João Paulo I teria sido, mesmo, assassinado. O novo Papa descobrira gravíssimos desfalques financeiros que supostamente envolveriam os cofres vaticanos, políticos e até a máfia.

Como de hábito, já circulam listas de “papáveis” e suas tendências ideológicas e pastorais. Estudiosos afirmam que certo modelo deve se repetir: primeiro vêm as quedas de braço entre grupos de cardeais conservadores e progressistas. Por fim, o “empate” permanente e a pressão natural acabam favorecendo um nome fora do rol dos mais cotados.

Seja qual for o escolhido, enfrentará desafios bem materiais: um buraco orçamentário de US$ 94 milhões; outro de 631 milhões de Euros no fundo de pensão do Vaticano e uma debandada assustadora de fiéis. Conforme a Reuters, só a Alemanha perdeu cerca de 320 mil católicos no ano ado. Só uma coisa é certa: segundo a tradição dos bastidores dos Conclaves, “quem entra Papa, sai Cardeal”. Humildade, pois; e aguardemos a fumaça branca.