Reais e surreais
Lá, privilégios e deveres; aqui, desaforos
Quando se fala em nobreza e tradição imediatamente pensamos na Inglaterra. O mais legítimo espírito da monarquia ali reina, embora não governe. O monarca, seja rei ou rainha, é o chefe de Estado, mas não tem poder efetivo para governar, pois o sistema político do Reino Unido é uma monarquia constitucional.
Na prática, Charles III tem funções simbólicas e representativas, uma vez que o governo é efetivamente liderado pelo Primeiro-Ministro Keir Starmer, que detém o poder executivo. O parlamento inglês – chamado Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes - é quem legisla e toma as decisões políticas. Carlos III, além de ear pelo mundo com Camilla e curtir música pop – como já confessou - apenas sanciona leis, mas não pode vetá-las.
Embora considerados “nobres”, os membros da família real têm deveres que seguem à risca. Durante a 2ª. Guerra, a falecida Elizabeth II trabalhou como mecânica e motorista no Serviço Auxiliar Feminino; primeira mulher “royal” a servir nas forças armadas. Mais recentemente, os príncipes William e Harry tiveram empregos "normais" na Marinha e na Força Aérea Real. Harry, por exemplo, participou de missões no Afeganistão como piloto de helicóptero.
A família real britânica é mantida financeiramente por diversas fontes que servem para cobrir despesas oficiais, viagens, funcionários e manutenção de 22 palácios. O principal, o de Buckingham, tem 52 quartos, 78 banheiros e até um caixa eletrônico exclusivo para a família. O custo para cada cidadão britânico equivale a menos de 2 libras por ano, uma mixaria. Os defensores da monarquia – principalmente o pessoal das áreas de lazer e turismo - argumentam que o interesse pela Inglaterra e sua família real superam os gastos públicos e trazem muitos lucros para a nação.
Mas, peraí: essa crônica de hoje será apenas um eio lúdico-educativo pelos luxuosos aposentos e hábitos reais? Claro que não, o motivo é outro. Segundo a Gazeta do Povo, o governo inglês divulgou que, em 2024, a família custou aos poderosos cofres britânicos o valor equivalente a R$ 641 milhões. Tal quantia foi suficiente para sustentar e remunerar, de formas diversas, nada menos de 1.133 pessoas que constam da folha de pagamento real. Portanto, num cálculo superficial, cada servo da Coroa custou ao contribuinte inglês, no ano ado, algo em torno R$ 560 e uns quebrados. Parece razoável, até pouco, mesmo.
No Brasil temos outra corte, a suprema, formada por 11 ministros; todos indicados por presidentes e não pela vontade do povo, o que seria mais justo. Estão lá – dizem - para defender nossos direitos expressos na Constituição, mas chovem controvérsias sobre o custo-benefício desses togados e também sobre a qualidade da Justiça que emana daquele trono por meio de decisões que contaminam todo o resto e causam indignação. Por exemplo: numa mesma semana, o suspeito de matar a namorada a facadas se apresentou, confessou o crime e foi liberado. E o ministro Moraes voltou a manter a prisão preventiva de uma inofensiva mãe de família que manchou com batom a estátua da Velha Senhora Devassa da entrada do Tribunal.
Sabem quanto dinheiro foi gasto em 2024 para sustentar a Corte Suprema do Brasil? Pasmem: R$ 897,6 milhões; 39% superior aos gastos da família real britânica. Se aplicarmos aqui o mesmo raciocínio per capta, concluímos que cada ministro custou aos contribuintes – eu, você, sua tia, o motorista de aplicativo, o padeiro da esquina e os demais brasileiros - perto de R$ 81 milhões. Isso é justo, Justiça?
Não importa, os brasileiros tinham coisas mais importantes para fazer: pular no Carnaval, encher a cara e torcer para ganhar um Oscar.