Assim no Rio como em todo o Brasil
O ciclo vicioso da violência e da impunidade
Você já foi assaltado? Eu, já; há alguns anos. Dois caras armados me ameaçaram de morte e levaram meu automóvel numa tranquila manhã de sábado, no bairro Cruzeiro. A polícia alertou-me que carro zero vai direto para a Bolívia ou o Paraguai e em poucas horas é revendido ou desmanchado. Perda total, mas até achei melhor: a seguradora reembolsou-me tudo em menos de um mês; resolvi virar pedestre, escapei do estresse de guiar na loucura e na deseducação de BH.
A violência aparece no topo de todas as pesquisas que avaliam as maiores preocupações atuais dos brasileiros. E também estamos fartos daquela notícia desalentadora que se repete diariamente: “fulano foi ouvido pela justiça e responderá ao processo em liberdade”. Traficantes à solta; assassinos bêbados ao volante; criminosos e agressores de crianças são protegidos pela senhora de olhos vendados e balança em punho. Estará ficando velha, devassa e venal?
Circula nas redes uma entrevista do governador do Rio de Janeiro a uma emissora. No seu desabafo – um dos mais incisivos – Cláudio Castro revela alguns detalhes estúpidos e que explicam, sem rodeios, o sucesso da dupla “violência & impunidade” que inferniza não apenas o Rio. Temos aí um cenário que se reproduz, em modo crescente, em todas as cidades brasileiras.
Ele cita a ADPF 635, aberração que impede a polícia entrar nas comunidades para o rotineiro patrulhamento ostensivo. Policial agora só entra se houver algum “fato extraordinário”. E, mesmo assim, antes o Governo precisa alertar o Ministério Público e uma dezena de órgãos – secretarias diversas, por exemplo - abrindo o segredo da operação e perdendo a vantagem da surpresa, essencial para flagrantes e detenções. Indignado, o governador comenta: “então, o pobre não tem direito à segurança diária? Imagine se tirássemos o policiamento ostensivo na Zona Sul do Rio?”
De fato, há uma tempestade perfeita no Rio de Janeiro que se espalha por todo o país. Antes, na custódia de praxe, o suspeito era preso e ficava na cadeia até a primeira audiência. Agora, a audiência e o destino do sujeito tem que ser decidida em 24 horas. Pela orientação do Conselho Nacional de Justiça, o condenado a penas de até quatro anos deve responder ao processo em liberdade. Cláudio Castro prossegue: “qualquer assaltante hoje é posto em liberdade em 24 horas. A rotina da polícia consiste em prender o mesmo cidadão dezenas de vezes e, no dia seguinte, ele está indo para casa. Já se tornou um jargão do criminoso no diálogo com o delegado: “Pô, tio; me libera aí, amanhã tô de volta...”
Avesso à grande mídia amaciada por propaganda oficial; à turma jornalista-comentarista-puxa-saco que omite fatos graves e a pano para o assustador desastre nacional em curso, o cidadão agora se informa bem melhor pelas redes sociais. E percebe o contraste entre traficantes soltos, liberados com canetadas, resultado das ações dessa mesma estranha justiça brasileira que persegue opositores do governo. E que mantém nos cárceres com penas absurdas velhinhas patriotas portando bíblias, sob a discutível, nebulosa e ridícula acusação de “golpe contra as instituições democráticas”.
Semana ada, de uma roda informal de bate-papo com amigos participava um parlamentar de projeção nacional, um político calejado. Vários mandatos e profunda experiência o qualificam como um raro observador imparcial da realidade do país.
Aproveitei e fiz a pergunta incômoda:
- Na sua opinião, qual é o maior de todos os problemas do Brasil de hoje?
Ele respondeu em voz baixa, cauteloso:
A crescente ocupação dos poderes pelo narcotráfico. Milhões compram tudo e todos.
Cenário arrepiante, não?