Quando sou uma mala sem alça e sem rodinhas
Se está frio, dou as caras com o corta-vento. Se está quente, dou o corpo com uma monótona sunga
Minha esposa precisa ter paciência comigo quando saímos de férias.
Primeiramente, porque eu estrago as fotos dela. Nem estou mencionando a minha falta de beleza natural. Já nos habituamos a isso.
É que, como viajante profissional, minha mala é enxuta e econômica. Não levo muitas mudas de roupa.
Beatriz, diferentemente, opta por uma bagagem maior, multiplicando suas alternativas de figurino. Ela exemplifica a exuberância feminina mineira, com uma alfaiataria sofisticada, leve e colorida. São saias rodadas, estampas delicadas, bordados e sobreposição de texturas.
Aliás, a mulher de Minas é uma das mais elegantes do país. Arrasa na fineza. Ao adotar looks clássicos, incrementa o visual com peças contemporâneas. Pensa nos detalhes mais microscópicos da produção, desde os calçados incomuns até os órios e maquiagem atuais e impecáveis.
Beatriz aparece com um vestido novo ou uma combinação diversa enquanto surjo na selfie sempre com o mesmo casaco - o máximo de mudança que posso realizar é abrir o zíper ou fechá-lo.
Em nossos álbuns fotográficos, emerjo com idêntico traje. A sensação é que tudo aconteceu num turno só. Dez longos dias acabam reduzidos a um único croqui de seu parceiro.
Se está frio, dou as caras com o corta-vento. Se está quente, dou o corpo com uma monótona sunga. No fim, dá pena de ver ela toda arrumada, esmerando-se nos matizes, e eu não contribuindo em nada para a sua variedade como um mendigo monocromático. Sou um poste neutro em que ela se segura.
Beatriz costuma fazer um vídeo retrospectivo de nossas cenas românticas, e tem que lidar com o marido vestido daquele jeito eternamente.
Melhor um par de vasos do que um vaso e uma jaqueira de jaqueta. Ela enfia o pé na jaca a cada beijo ou abraço.
Em segundo lugar, arruíno as suas férias, pois parto da extrema inatividade para me aventurar em esportes, sem nenhuma transição.
Não tenho a disciplina aeróbica. E ela não chega por osmose.
Como minha mente permanece jovem, jurando que ainda sou capaz de apresentar o domínio de antes, de duas décadas atrás, invento de jogar frescobol, vôlei, futebol, nadar, correr.
Basta uma praia na minha frente que me torno atleta novamente. Esqueço que envelheci. Esqueço que não disponho de fôlego.
No Caribe, aceitei atuar no time mexicano contra o americano. Beatriz perguntou:
— Você aguenta?
— Óbvio que sim, amor!
Assumi o papel de centroavante. Confesso que me arrebentei: dois gols, três assistências e um estiramento muscular.
A pelada comprometeu nossa estada na Disney na semana seguinte.
Em Orlando, não conseguia caminhar. Rastejava. Justamente no momento em que tínhamos que atravessar parques inteiros e ar filas gigantescas para entrar nos brinquedos.
Ela carregou um inválido e perdeu metade das atrações.
Eu a ouvi conversando com a sua tia ao telefone. Não me percebeu por ali. Beatriz dizia:
— Da próxima vez, venho com as amigas. Fabrício sempre se machuca.
Pelo menos, não comentou sobre a indigência de minhas vestes. Ela é generosa.