Qual a maior compulsão?
Vejo amigos desfilando diariamente com tênis novos. Não repetem o par na manhã seguinte.
As mulheres sempre tiveram mais de um sapato, uma porção de pares, para revezar o máximo possível com as suas roupas. Trata-se de uma variedade incrível para lidar com cada estilo e ocasião.
O excesso de bagagem feminina se deve aos seus pés. Vá preparar uma mala com sandália, sapatilha, scarpin, mule, oxford, bota, rasteirinha, mocassim. Não há como não enchê-la facilmente. E os saltos ainda podem ser de distintos tamanhos. E os matizes, os mais diversos. E os formatos, ou aberto ou fechado, ou com tiras ou sem tiras.
É a síndrome mansa de Imelda Marcos dentro de cada uma delas — Imelda é mãe do presidente das Filipinas, ex-primeira-dama, que se vangloria de possuir mais de 3.000 pares de sapatos em 95 anos de existência.
Mulher costuma ser uma centopeia. A minha esposa acumula cerca de 200 pares de calçados. Jamais contei um por um, porque desejo me manter casado. Ela certamente ficaria ofendida. Mas sua sapateira é do tamanho de uma biblioteca, com 15 estantes forradas.
Beatriz sofre para se desfazer de um modelo único e insubstituível, ao qual se afeiçoou ao longo do tempo, confortável em seus dedos e leal aos obstáculos dos mais complexos pisos. Tenta ressuscitá-lo no sapateiro. Não consegue mandar embora um produto danificado pelo uso.
Assim sendo, só entram peças lá em casa, dificilmente saem.
Já o homem tem um ou dois pares de sapatos para seus compromissos sociais. Não mais do que isso. É lacônico nas suas vestes sisudas.
Só que eu percebi que ele encontrou uma maneira disfarçada de imitar as mulheres: pelos tênis.
Homem nunca exibe um só par de tênis. Acabou com seu ado franciscano. Ele deu para colecionar. É um tênis para o esporte, um tênis para a corrida, um tênis para o lazer, um tênis para os eios, um tênis para a praia, um tênis para a serra, um tênis para a chuva, um tênis para a academia. Não termina de consumir.
A diferença é que ele não procura os mais baratos. Quanto mais caros, melhor. Age na contramão da economia, do custo-benefício. Anseia pelos pares de marca, lançamentos, modelos disputados, alternando as cores, das sóbrias às extravagantes. Vem gastando o seu salário com o fetiche, muito mais do que mulheres gastam com os sapatos.
ou a se preocupar com os tênis como se fosse a mecânica de um carro, atentando-se a detalhes como impacto e velocidade, priorizando a sua suspensão e os amortecedores.
Reivindica que contenha molas, que seja anticolisão e, especialmente, respirável, para evitar chulés e odores. Ele se esbalda na tecnologia, mostrando-se cada vez mais exigente.
Vejo amigos desfilando diariamente com tênis novos. Não repetem o par na manhã seguinte. De tão comuns e recorrentes que são as estreias, perdeu a graça batizar com uma pisadinha.
Eles não se contentam, como nas décadas de 1960 e 1970, com um monotemático, para simplesmente andar, permanecendo com ele de modo insanamente exclusivo e fiel, até furar a sola, até estrebuchar a língua, até corroer os cadarços. Atingiram o patamar da compulsão: querem ostentar.
O homem é hoje a Imelda Marcos dos tênis.