PERIGO

Inimigo próximo: na maioria dos casos de violência sexual, estuprador conhece a vítima

Agressores são parentes ou conhecidos em 84,7% das ocorrências, diz Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Por Anderson Rocha e Jonatas Pacheco
Publicado em 02 de maio de 2025 | 06:00

Anuário divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2024, com base em dados de 2023, contraria o senso comum de que a culpa pela violência sexual sofrida pela mulher é dela mesma, em particular pelo modo como se veste, e de que os crimes acontecem mais em espaços públicos. Isso porque 84,7% dos casos ocorreram na residência da vítima, sendo o agressor um familiar ou conhecido, de acordo com o documento.

“Estupros cometidos por desconhecidos em locais públicos, apesar de amplamente temidos, são menos comuns do que os que ocorrem dentro de casa, praticados por tios, padrastos, pais, irmãos ou amigos da família. Essa proximidade faz com que o crime aconteça em um ambiente de confiança, dificultando a denúncia, já que a vítima pode ter medo de represálias ou de não ser acreditada”, alerta Luciano Gomes dos Santos, professor de ciências sociais da UniArnaldo Centro Universitário.


Especialista em criminalidade e segurança pública, Izabela Miranda conta que ela mesma já foi vítima de estupro, fato que a motivou a criar o Indômitas Coletiva Feminista, que defende, entre outras coisas, o cadastro de pedófilos e de “predadores sexuais”. Ela afirma que assuntos sobre sexualidade devem ser tratados dentro de casa, desde a infância.

“O lugar mais perigoso para uma mulher é a casa dela. Tem que haver um entendimento maior do que é o estupro. Eu mesma já fui vítima sem saber na ocasião. Meninas e meninos desinformados e vulnerabilizados só vão entender no futuro. Muitas vezes, eles não se dão conta de que aram por violência sexual”, diz.

De fato, os dados do Anuário mostram que 76% das agressões sexuais são do tipo estupro de vulnerável – conjunção carnal com menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo, como deficiência ou enfermidade.

Para combater esse tipo de crime, é essencial compreender que o perigo não está apenas em desconhecidos na rua, mas principalmente dentro de casa e no convívio próximo, destaca o professor da UniArnaldo. “As estratégias de enfrentamento ao estupro devem incluir medidas preventivas, como educação sobre violência sexual, fortalecimento das denúncias, apoio às vítimas e punição rigorosa para os agressores. Somente assim será possível reduzir a impunidade e garantir maior segurança para mulheres e crianças, que são as principais vítimas desse crime”, completa. 

Vítima de abuso atua hoje em grupo de apoio a mulheres

A advogada Fernanda*, de 50 anos, era universitária recém-chegada a BH, vinda do interior de Minas, quando foi violentada sexualmente por um criminoso, três décadas atrás, em Bom Despacho, no Centro-Oeste do Estado.

Ela e um grupo de amigas havia ido a um festival de música na cidade, e uma das jovens levou o irmão, acompanhado por um grupo de homens. Um desses rapazes entrou no quarto em uma noite e estuprou Fernanda, quando ela havia se recolhido mais cedo por ter considerado que havia bebido muito e precisava descansar.


“Não tive condição de reagir, de impedir. Eu era virgem. Fui tomar banho, chorei, me isolei, continuei vendo ele nos outros dias na casa, inclusive ficando com outras meninas. Não contei para ninguém por muitos anos. Tudo foi muito doloroso”, lembra Fernanda. 


Ela não denunciou o agressor, mas aprendeu a enfrentar o crime do qual foi vítima. Hoje, atua no Instituto Viva, em BH, dando apoio a mulheres em situação de violência. “Quando percebo que consegui ajudar uma mulher, sinto que estou cumprindo meu propósito”, diz.

*Nome fictício a pedido da vítima

O estuprador 

O cientista social Luciano dos Santos alerta que o estuprador tem várias idades, classes sociais e níveis educacionais. “Muitos são misóginos e já cometeram agressões antes de serem presos”, detalha. Isso, diz ele, mostra a necessidade de intervenções rápidas para barrar novos crimes: “Quando não há punição e reabilitação, a reincidência é alta”.

As vítimas

Em sua maioria, as vítimas de estupros são meninas (88,2%), negras (52,2%) e de 14 anos ou menos (76%). Apesar de mais raros, há os estupros de meninos: entre eles, a maior incidência ocorre entre os 4 e os 6 anos – a quantidade cai à medida que os garotos se aproximam da vida adulta. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2024.