Investigação

À PF, Anderson Torres nega falha nas urnas e relação do PT e de Lula com o PCC

Em depoimento à PF, Anderson Torres negou o que havia dito em live com Bolsonaro e reunião ministerial quando era ministro da Justiça

Por Renato Alves
Publicado em 15 de março de 2024 | 14:52

Em depoimento à Polícia Federal (PF), Anderson Torres negou informações que havia dado em transmissão pública e reunião ministerial quando era ministro da Justiça. Entre elas, irregularidades no sistema eleitoral brasileiro, que havia apontado em live de Jair Bolsonaro (PL), seu antigo chefe, e a relação do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o Primeiro Comando da Capital (PCC), citada em encontro dos ministros da gestão anterior, no Palácio do Planalto. 

A gravação da reunião ministerial ocorrida em 5 de julho de 2022, encontrada em computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, é uma das provas da Polícia Federal na investigação que levou à operação Tempus Veritatis, desencadeada há um mês e que apura uma suposta organização criminosa para tentar um golpe de Estado em 2022. Nesta sexta-feira (15), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou o sigilo dos depoimentos de Bolsonaro e outros 26 investigados.

Em seu depoimento, prestado em 22 de fevereiro de 2024, Anderson Torres foi questionado o que quis dizer ao declarar, durante a reunião ministerial de julho de 2022, que todos presentes iriam “se foder” caso o PT ganhasse as eleições presidenciais de 2022. “Senhores, todos vão se foder! Eu quero deixar bem claro isso. Porque se... eu não tô dizendo que... eu quero que cada um pense no que pode fazer previamente porque todos vão se foder”, afirmou ao microfone, ao lado de Bolsonaro e olhando para os ministros. 

O ex-ministro da Justiça alegou aos investigadores que se tratava “de um chamamento para que todos os ministros atuassem dentro de suas pastas para que pudessem contribuir com o processo eleitoral que viria e uma almejada vitória”. Segundo ele, a expressão “se foder” significava a “perda de todos os avanços que cada um tinha obtido ao longo dos quatro anos de trabalho hercúleo e muita entrega em cada uma de suas pastas”.

Sem provas de relação do PT com o PCC

No interrogatório, Torres também foi questionado se tinha provas da relação de Lula ou do Partido dos Trabalhadores (PT) com o PCC, já que na mesma reunião ministerial, na condição de ministro da Justiça, falou sobre “a velha relação do PT com o PCC” e garantiu: “Isso não é mentira, isso não é mentira.” 

“Mas estamos aí, presidente (Bolsonaro), desentranhando a velha relação do PT com o PCC. A velha relação do PT com o PCC. Isso tá vindo aí, através de depoimentos que estão há muito guardados aí... isso aí foi feito, ó”, afirmou Torres na reunião ministerial, também ao microfone.

Já perante a um delegado e um escrivão da PF, ele alegou que se referia a reportagens divulgadas quatro dias antes e que envolveriam uma delação premiada de Marcos Valério, o marqueteiro que foi preso e condenado por envolvimento no escândalo do Mensalão.

No entanto, Torre foi perguntado pelos policiais federais se, na condição de ministro da Justiça e chefe da PF, teria informações seguras sobre tal relação criminosa. Ele disse ter procurado saber, mas não obteve qualquer informação, muito menos prova.

Sem provas de irregularidades nas urnas

Torres também negou ter provas de irregularidades no sistema eleitoral brasileiro, apesar de, em uma live realizada por Bolsonaro em 2021, o então ministro da Justiça colocar em dúvida a lisura das urnas eletrônicas, alimentando a necessidade de voto impresso, como defendia o ex-presidente.

Torres disse que, ao ser convidado para a live, pediu ao gabinete do Ministério que buscasse com órgãos subordinados dados sobre o sistema das urnas e que, entre os documentos levantados, foi encontrado um relatório enviado ao TSE em que peritos criminais “recomendavam, dentre outras medidas, a impressão do voto, pois por mais que o sistema fosse seguro, a impressão do voto possibilitaria a sua auditoria”.

Em depoimento à PF, no entanto, Torres afirmou que seu pronunciamento na live presidencial foi voltado apenas ao que estava escrito no relatório, e que não usou do cargo como ministro para “disseminar suposta fraude no sistema eleitoral”. No entanto, a fala dele foi usada pelo próprio presidente e amplamente difundida nas redes sociais de políticos bolsonaristas e apoiadores como prova de que as urnas não eram seguras, por isso o voto impresso era o melhor mecanismo.

Questionado pelos investigadores mais de uma vez, Torres foi taxativo em dizer não haver qualquer evidência de falha nas urnas eletrônicas. Ele jurou confiar no sistema eleitoral e que nunca fez parte de campanha de desinformação sobre as urnas ou contra algum dos poderes da República. Garantiu nunca ter pisado em acampamento montado ao redor de um quartel para pedir intervenção militar, participado de movimento por golpe de Estado ou sequer ter atacado integrante do STF ou de outra instituição republicana.

As investigações da PF apontam que a reunião ministerial em que Torres se pronunciou teve como finalidade “cobrar dos presentes conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral: promoção e a difusão, em cada uma de suas respectivas áreas, desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público”.

Ao derrubar o sigilo dos depoimentos dos investigados pela suposta trama golpista, o ministro Alexandre de Moraes escreveu na decisão que a publicidade dos documentos se faz necessária “diante de inúmeras publicações jornalísticas com informações incompletas sobre os depoimentos prestados à autoridade policial” pelos alvos da operação.