BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa se ação contra os militares responsáveis pelo desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva e as circunstâncias da morte dele durante a ditadura deve prosseguir. Ele sumiu em 1971 no Rio de Janeiro após ser levado por agentes para um depoimento. 

O desaparecimento de Rubens Paiva, assim como a vida de sua esposa, Eunice Paiva, foram retratados no filme “Ainda Estou Aqui”, que concorre a três prêmios no Oscar, cuja cerimônia será realizada neste domingo (2). A obra reacendeu o debate sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar.

Em fevereiro, o plenário do tribunal decidiu de forma unânime que vai analisar esse e outros dois processos envolvendo vítimas do regime militar. Um deles é o desaparecimento de Mário Alves de Souza Vieira, um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que foi sequestrado em 1970 e nunca teve o corpo encontrado. 

O outro é a morte de Helder José Gomes Goulart,  militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). A ossada dele foi encontrada em 1992 no Cemitério de Perus, na Zona Norte da cidade de São Paulo. No local, o regime militar descartava de forma clandestina corpos de vítimas da repressão.  

O processo

A ação, que tem o ministro Alexandre Moraes como relator, se originou de um recurso do Ministério Público Federal (MPF) e é uma das três que o STF analisa na revisão da Lei da Anistia da ditadura. Em 2014, o MPF denunciou cinco militares reformados pela morte do ex-deputado Rubens Paiva.

José Antônio Nogueira Belham, Jacy Ochsendorf e Souza, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos - os três últimos já morreram. Eles são acusados pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada.

A Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou a denúncia no mesmo ano e abriu processo contra os oficiais. Foi a primeira vez que o Judiciário brasileiro abriu uma ação penal contra militares por assassinato na ditadura militar. Mas, em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu pedido da defesa dos acusados e suspendeu o andamento da ação penal.

Os advogados dos militares apontados como assassinos de Rubens Paiva se basearam na Lei da Anistia, que “perdoou” aqueles que praticaram crimes políticos, e relacionados, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Em 2010, o Supremo decidiu que a lei se estende também para agentes estatais.

Procuradoria acionou o Supremo

Mas o MPF recorreu ao STF. Procuradores que assinam recurso contra a decisão do STF afirmaram que as acusações contra os militares no caso Rubens Paiva são crimes contra a humanidade, pois foram cometidos por agentes estatais durante a ditadura militar. Por isso, são imprescritíveis, ou seja, não têm prazo para serem julgados. 

A defesa lembrou ainda que o Brasil se comprometeu a seguir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre os desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Apesar de Rubens Paiva não ter participado desse episódio, o MPF entendeu que o caso do ex-deputado se encaixa na sentença da Corte Interamericana. Ela diz ser dever do país investigar e responsabilizar criminalmente autores de desaparecimentos e graves violações dos direitos humanos.

Se o STF atender ao pedido da Procuradoria, a decisão será de repercussão geral - na prática, levará à criação de uma tese que servirá como guia para todos os processos que envolvem o mesmo tema, uniformizando o entendimento jurídico sobre a questão. A definição dessa tese ocorrerá em uma fase posterior, ainda sem data marcada. 

Outros processos são julgados no STF

Outro processo, protocolado pelo Psol em 2014, pede que a Lei da Anistia não seja aplicada aos crimes de graves violações de direitos humanos, sejam eles cometidos por agentes públicos, civis ou militares. O relator deste caso é o ministro Dias Toffoli. 

O terceiro processo é uma ação que estabelece um entendimento sobre a aplicação da Lei de Anistia aos "crimes permanentes" cometidos durante a ditadura militar. O relator é o ministro Flávio Dino. 

Os "crimes permanentes" são aqueles cujos efeitos se prolongam no tempo, como o sequestro e a ocultação de cadáver, cujas consequências continuam a se estender por dias, meses ou até anos. A decisão do Supremo impactará o julgamento de processos semelhantes em instâncias inferiores em todo o país.