BRASÍLIA - Um pendrive apreendido pela Polícia Federal (PF) com o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, integrante dos “kids pretos”, as Forças Especiais do Exército, armazenava documentos detalhados que descrevem o planejamento de um golpe de Estado no Brasil para evitar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O militar, que era lotado em Goiânia (GO), está preso desde 19 de novembro, quando foi detido no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, no desencadeamento da Operação Contragolpe. Ele é um dos 37 indiciados no inquérito finalizado há uma semana e que trata de supostas tramas golpistas.
Ferreira Lima e outros quatro “kids pretos”, como são conhecidos informalmente por usarem gorros pretos nas operações, são acusados de planejar a morte de Lula, seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com envenenamento e ataque a tiros e bombas.
A PF diz ter provas de que Ferreira Lima monitorou Moraes e Lula em 2022. “Hélio Ferreira Lima viajou do Rio Grande do Sul para Goiânia e se deslocou juntamente com Rafael de Oliveira para a cidade de Brasília no dia 21/11/2022 para iniciar as atividades de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes”, diz o relatório da PF.
Rafael de Oliveira é outro “kid preto”. Ele e Ferreira Lima estavam no Parque da Cidade, em Brasília, onde também estava Moraes, para “executar a prisão/execução” do ministro, em 12 de dezembro de 2022, conforme localização de celular que estava com os militares – dado recuperado por peritos. O atentado foi abortado de última hora, segundo a investigação.
Os “kids pretos” alvos da Operação Contragolpe foram indiciados pela PF no dia 21 último pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, que, juntos, podem resultar em até 28 anos de prisão. Já o pendrive de Ferreira Lima foi encontrado na Operação Luneta.
O resultado desta última operação foi divulgado esta semana, após Alexandre de Moraes suspender o sigilo do inquérito que levou ao indiciamento de 37 pessoas e todas as operações relacionadas ao mesmo tema.
A Operação Luneta descreve como os documentos encontrados no pendrive tinham uma planilha detalhada descrevendo “fatores estratégicos de planejamento” divididos em colunas com nomes “fato”, “dedução” e “conclusão”.
O plano envolvia uso de fake news para desacreditar o processo eleitoral brasileiro e incitar a população para ir às ruas contra a chapa presidencial eleita em 2022, pedindo intervenção militar.
O plano detalhado no pendrive também previa a realização de uma nova eleição, após a prisão de Lula e de ministros do STF e a criação de um gabinete de crise. Ele cita como alvos Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
Os poderes do STF seriam transferidos ao Superior Tribunal Militar (STM), ainda conforme o plano de golpe de Estado apreendido com o “kid preto”. Também havia no pen drive uma carta que seria publicada ou lida por Jair Bolsonaro para fechar o STF e convocar as Forças Armadas na tomada do poder.
“Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, diz trecho do documento.
Para a PF, o documento é um “ensaio retórico” preparado para ser lido em caso da concretização do golpe de Estado. Investigadores dizem que ele reforça a evidência de que o ex-presidente não só sabia como estava à frente de tudo.
“Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”, diz trecho de relatório da PF.
“O arcabouço probatório colhido indica que o grupo investigado, liderado por JAIR BOLSONARO, à época presidente da República, criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019, com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para posteriormente a narrativa atingir dois objetivos: primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato JAIR BOLSONARO no pleito de 2022”, prossegue a PF.
Bolsonaro vem negando em entrevistas qualquer intenção de golpe de Estado. “Uma loucura falar em golpe, uma loucura. Golpe com um general da reserva e cinco oficiais? E outra coisa, golpe existe em cima de uma autoridade constituída, que já tomou posse. O Lula tinha tomado posse? Ninguém tinha tomado posse. Só se fosse em cima de mim o golpe”, declarou Bolsonaro em Brasília, na segunda-feira (25).
Na mesma ocasião, o ex-presidente afirmou que chegou a analisar a possibilidade de decretar estado de sítio após a eleição presidencial de 2022, mas descartou a medida e negou qualquer envolvimento em planos de golpe de Estado. Ele afirmou que todas as ações avaliadas respeitaram os limites constitucionais. “Jamais faria algo fora das quatro linhas”, declarou.
O estado de sítio é a medida mais extrema prevista pela Constituição e pode ser acionado pelo presidente em situações que ameacem a ordem e estabilidade do país, como uma grave comoção nacional, estado de guerra ou agressão estrangeira. Está regulado na Constituição e exige autorização do Congresso Nacional, após consulta ao Conselho da República e ao Conselho de Defesa Nacional, que emitem pareceres não vinculativos sobre a necessidade da medida.
Após a autorização, o presidente pode suspender garantias constitucionais, como o sigilo de comunicações e a liberdade de reunião. O decreto deve especificar a duração da medida, as normas aplicáveis e as garantias suspensas, com o estado de sítio limitado a 30 dias, prorrogáveis por períodos iguais, sempre com nova aprovação do Congresso.