INVESTIGAÇÃO

Neto de ex-presidente da ditadura é um dos indiciados em inquérito sobre suposta tentativa de golpe

Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, que mora nos EUA, já foi preso por suspeita de integrar um esquema de pagamento de propinas a dirigentes do BRB

Por Renato Alves
Publicado em 22 de novembro de 2024 | 10:44

BRASÍLIA - Neto de João Baptista Figueiredo, o último presidente da ditadura militar no Brasil, o blogueiro e economista Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho é um dos 37 indiciados pela Polícia Federal (PF) na investigação que apura tentativa golpe de Estado no Brasil em 2022, após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

O relatório do inquérito foi concluído nesta quinta-feira (21) e traz o ex-presidente como um dos envolvidos na suposta trama golpista para mantê-lo no poder. Os planos envolveriam prisão e até assassinato de Lula, de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Na última terça-feira (19), a PF deflagrou uma operação e prendeu um agente da corporação e quatro militares do Exército acusados de integrar um plano de golpe de Estado denominado Punhal Verde e Amarelo. Os militares são integrantes das Forças Especiais do Exército, também conhecidos como “kids pretos”, especializados em ações de guerrilha, infiltração e outras táticas militares usadas em ações clandestinas.

O agente da PF e os quatro militares do Exército presos na terça-feira  foram indiciados na quinta-feira, assim como Paulo Renato. Ele é apontado como responsável por criar e disseminar desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro e incitar militares a aderir a golpe de Estado em 2022. Por esse motivo, Paulo Renato foi alvo de uma operação da PF em fevereiro deste ano.

Paulo Renato foi comentarista do grupo Jovem Pan, onde se notabilizou por defender as ações do governo de Jair Bolsonaro, os ideias de direita e por atacar políticos de esquerda e instituições brasileiras, em especial o STF. Ele, que foi demitido da Jovem Pan em 2023, com Rodrigo Constantino e Zoe Martinez, mora nos Estados Unidos desde 2027, de onde mantém um blog em que comenta a política local e brasileira. 

Prisão nos EUA por suposto pagamento de propinas a dirigentes do BRB

O neto João Baptista Figueiredo foi preso em maio de 2019, nos EUA, por suspeita de integrar um esquema de pagamento de propinas a dirigentes do BRB, o banco estatal de Brasília, em troca de recursos para a construção do extinto Trump Hotel, no Rio, hoje batizado de LSH Lifestyle. 

Paulo Renato era alvo de um mandado de prisão preventiva expedido na Operação Circus Maximus, da PF. O empresário estava foragido desde que a operação foi deflagrada, em janeiro de 2019. Ele também estava na lista de procurados da Interpol.

Segundo documentos da operação, ao menos R$ 16,5 milhões em subornos foram pagos a dirigentes do BRB para que liberassem recursos de fundos de pensão de estatais e de órgãos públicos, istrados pelo banco, e da própria instituição financeira para os projetos que davam prejuízo e não avam por análise técnica adequada.

Paulo Renato ficou três meses preso, até a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) substituir por medidas cautelares a prisão preventiva dele. A defesa alegou não haver justa causa para a “medida extrema e que as suspeitas de práticas delitivas não possuem fundamento”. De acordo com os advogados, Paulo Renato não ocupa cargo diretivo na LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A “há anos”. 

Já o Ministério Público Federal (MPF) disse que, embora não se envolvesse nas negociações, conforme a apuração da PF, cabia a Paulo Renato autorizar os pagamentos de propina, na qualidade de diretor-presidente do LSH Barra RJ, assim como a quitação de notas fiscais fraudulentas para a emissão de dinheiro.

Paulo Figueiredo diz estar ‘honrado’ com indiciamento da PF

Na última quinta-feira, Paulo Figueiredo disse, na rede social X, que estava “honrado” por ter sido indiciado no inquérito sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. “Acabei de ver nos jornais que meu nome consta na lista dos indiciados pela Polícia Federal. Sinto-me honrado. Aguardo ansiosamente os próximos acontecimentos”, escreveu o neto de João Figueiredo, o ditador que ficou no poder de 1979 a 1985.

“Deixo claro: não respondo a intimidações, tampouco recuarei no exercício das minhas liberdades dadas por Deus. Tenho inclusive plena confiança de que os Estados Unidos, sob uma nova istração que valoriza a liberdade, tratarão esses acontecimentos com a gravidade que merecem”, completou Paulo Figueiredo.

Penas somadas podem chegar a 30 anos de prisão

Na quinta-feira, assim como Jair Bolsonaro, Paulo Figueiredo foi indiciado no Brasil pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. As penas acumuladas de tais crimes podem chegar a 30 anos de prisão. Confira abaixo as penas para cada crime citado pela PF:

  • Golpe de Estado: 4 a 12 anos de prisão;
  • Abolição violenta do Estado democrático de Direito: 4 a 8 anos de prisão;
  • Integrar organização criminosa: 3 a 8 anos de prisão.

Com a entrega do relatório, a PF encerra as investigações referentes às tentativas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Cópia do inquérito, que tem 884 páginas, foi enviado ao STF, responsável pela ação. A Procuradoria Geral da República (PGR) recebeu uma cópia do documento para se manifestar contra ou a favor do resultado da investigação. Ela fará a denúncia, ou mandará arquivar ou pedir mais investigações.

Caso a PGR se manifeste favoravelmente sobre o prosseguimento da ação, denunciado ao STF os indiciados pela PF, caberá aos ministros do Supremo julgar se aceitam ou rejeitam a posição da procuradoria. 

Se a maioria dos ministros entenderem que há elementos suficientes para acatar a denúncia da PGR, os indiciados arão à condição de réus e começarão a responder ao processo penal. Só quando houver decisão definitiva ou não existir mais possibilidade de recurso, eles são considerados culpados.

Há expectativa de o caso ser julgado pelo STF em junho ou julho de 2025.

A PF ressaltou, em comunicado oficial, que “as provas foram obtidas por meio de diversas diligências policiais realizadas ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas devidamente autorizadas pelo poder Judiciário”.

As investigações apontaram que os indiciados se estruturaram por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas e a constatação da existência dos seguintes grupos nomeados da seguinte forma pela PF:

  • Núcleo de desinformação e ataques ao Sistema Eleitoral;
  • Núcleo responsável por incitar militares à aderirem ao golpe de Estado;
  • Núcleo jurídico;
  • Núcleo operacional de apoio às ações golpistas;
  • Núcleo de inteligência paralela;
  • Núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas.

A PF indiciou todos os integrantes do grupo que foi batizado, ao longo do inquérito, como Núcleo de oficiais de alta patente, integrado por militares que “utilizando-se da alta patente que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado”.

A investigação começou após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas por apoiadores de Bolsonaro que pediam intervenção militar para manter o ex-presidente no poder, com a prisão de Lula e ministros do STF.

‘A tentativa de envenenar eu e o Alckmin não deu certo’, diz Lula
Pela primeira vez, Lula comentou publicamente, nesta quinta-feira, a operação da PF. “Eu sou um cara que tem que agradecer agora muito mais porque eu estou vivo. A tentativa de envenenar eu e o Alckmin não deu certo. Nós estamos aqui”, afirmou Lula ao microfone, em um evento no Palácio do Planalto para divulgar planos do governo federal para a concessão de rodovias ao setor privado.

“Quando nós disputamos as eleições, eu dizia que um dos meus desejos era trazer o Brasil à normalidade. À civilidade democrática em que a gente faz as coisas da forma mais tranquila possível, sabendo que você tem adversário político, que você tem adversário ideológico, mas sabendo que de forma civilizada, você perde, você ganha. Você consegue fazer uma coisa e na outra vez, não consegue”, prosseguiu.

Lula citou ainda o plano do seu governo para a concessão de rodovias e voltou a citar as revelação da operação da PF. Sem citar nominalmente Jair Bolsonaro, o petista também falou do governo ado.

“Eu não quero envenenar ninguém, e nem perseguir ninguém. A única coisa que eu quero é que quando terminar o meu mandato, a gente desmoralize com números aqueles que governaram antes de nós. Eu quero medir com números quem fez mais escolas, que mais cuidou dos pobres, mais fez escolas, quem pagou mais salário-mínimo. É isso que eu quero medir porque é isso que conta no resultado da governança.”