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Mensagens de advogado assassinado sustentam apuração que resultou no afastamento de desembargadores
Magistrados do Mato Grosso do Sul são alvos da PF em desdobramento de investigação de 2021, que se mistura a caso de advogado executado em Cuiabá (MT)
BRASÍLIA - A investigação que resultou no afastamento, nesta quinta-feira (24), de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) foi subsidiada por milhares de mensagens de texto e áudio recuperadas do celular de um advogado executado com 12 tiros à porta de seu escritório em Cuiabá (MT), em dezembro do ano ado.
O conteúdo do celular de Roberto Zampieri levantou suspeitas de vendas de decisões por gabinetes de quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Este caso, revelado pela revista Veja, é investigado pela Polícia Federal (PF) e está sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Cristiano Zanin.
Já a investigação do assassinato do advogado é objeto de inquérito da Polícia Civil do Mato Grosso, que indica como uma das motivações para o crime os processos de disputas de terras que tramitam no Tribunal de Justiça estadual.
Os casos de supostas vendas de sentenças nos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul também são investigados no STJ e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Partiu do STJ, por meio do ministro Francisco Falcão, as ordens para a Operação Ultima Ratio nesta quinta-feira.
Além de afastar os desembargadores do TJMS por seis meses, ele expediu 44 mandados de busca e apreensão para serem cumpridos em Campo Grande (MS), Brasília (DF), São Paulo (SP) e Cuiabá (MT).
Um dos alvos de mandados cumpridos nesta quinta-feira é Anderson Gonçalves, apontado como o principal lobista de Roberto Zampieri, o advogado assassinado. Peritos da PF identificaram áudios de Gonçalves no celular de Zampieri, em que relata cobranças de pagamentos em aberto ao advogado. Na manhã desta quinta, agentes apreenderam um laptop na casa de Gonçalves, em um condomínio de luxo de Cuiabá.
Com base em mensagens encontradas no celular de Zampieri, após a morte dele, os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, de Mato Grosso, foram afastados pelo CNJ em agosto, também por suspeita de venda de decisões judiciais.
Anderson Gonçalves seria um dos responsáveis por aproximar Roberto Zampieri de desembargadores, tanto em MT quanto em MS, visando decisões favoráveis a clientes do advogado.
Na decisão em que mandou afastar os dois desembargadores do MT, o corregedor nacional do CNJ, ministro Luis Felipe Salomão, também determinou a abertura de investigação sobre reclamações disciplinares contra os dois magistrados, além da quebra de sigilos bancários e fiscal dos investigados e de servidores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, referente aos últimos cinco anos.
Em um dos casos investigados, o CNJ descobriu que os dois desembargadores mantinham uma amizade com Roberto Zampieri e recebiam dinheiro para julgar recursos de acordo com os interesses do advogado.
A investigação sobre a execução do advogado tramita na 12ª Vara Criminal de Cuiabá. Segundo o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), o assassinato pode ter relação com decisões proferidas pela Justiça do estado.
Com as suspeitas do MPMT, a Corregedoria Nacional do CNJ determinou, em maio deste ano, o compartilhamento das provas apreendidas pela Polícia Civil do Mato Grosso, especialmente o conteúdo extraído do celular da vítima, com a PF.
O CNJ afirmou, na decisão, que, além da “incomum proximidade entre os magistrados com o falecido Roberto Zampieri”, há evidência de um esquema organizado de venda de decisões judiciais para outros advogados, não somente favoráveis ao Zampieri.
Advogados, filhos de magistrados são apontados como responsáveis por recebimentos
Já na operação deflagrada nesta quinta-feira, também são investigados um juiz de primeira instância, dois desembargadores aposentados, um procurador de Justiça, outros servidores públicos, nove advogados e empresários.
Cinco desses advogados são filhos de magistrados suspeitos de venderem as decisões judiciais. Segundo a PF, eles usariam seus escritórios para burlar mecanismos de rastreamento de entrada e saída de dinheiro.
A Receita Federal colaborou com a investigação da PF, que concluiu que o suposto esquema resultou em decisões favoráveis em ações envolvendo propriedades rurais milionárias. Além da venda de sentenças, é apurada lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul.
Todos os investigados terão que usar tornozeleira eletrônica e estão proibidos de ar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicarem com outras pessoas investigadas. A PF não divulgou nenhum nome, mas a equipe de O TEMPO em Brasília apurou que são os seguintes desembargadores afastados, conforme decisão do STJ:
- Alexandre Aguiar Bastos
- Marco José de Brito Rodrigues
- Sérgio Fernandes Martins, presidente do TJMS
- Sideni Soncini Pimentel
- Vladimir Abreu da Silva
Entre os outros servidores públicos afastados das suas funções estão o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de MS (TCE-MS) Osmar Domingues Jeronymo e seu sobrinho Danillo Moya Jeronymo, que é servidor do TJMS.
O nome da operação desta quarta, Ultima Ratio, se refere a um princípio do direito segundo o qual a Justiça é o último recurso do poder público para parar a criminalidade.
Em nota, o TJMS disse ter conhecimento da operação, mas que não iria se posicionar sobre as investigações. "Até o presente momento, o TJMS não teve o aos autos e ao inteiro teor da decisão que motivou a ação. Em virtude disso, não dispomos de subsídios suficientes para emitir qualquer declaração ou posicionamento sobre os fatos", diz trecho do comunicado.
Lavagem de dinheiro, extorsão, falsificação e organização criminosa
A investigação é um desdobramento da Operação Mineração de Ouro, deflagrada em 8 de junho de 2021, na qual foram apreendidos materiais com indícios da prática dos crimes. O inquérito da Mineração de Ouro derivou de telefonemas interceptados na Operação Lama Asfáltica, que apurou a suposta venda de decisões, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e contratação de funcionários “fantasmas”.
- A Mineração de Ouro investigou o suposto envolvimento de conselheiros do TCE-MS em organização criminosa especializada em fraudes em licitações, superfaturamento de obras e desvio de recursos públicos.
- Naquele período, foram cumpridos mandados contra os conselheiros Waldir Neves, Osmar Jeronymo e Ronaldo Chadid. Segundo dados da PF, foi apurado esquema de contratação de funcionários "fantasmas" no TCE-MS e desvio de verbas públicas.
- Durante os cumprimentos dos mandados, agentes apreenderam R$ 1,6 milhão em endereços ligados aos três conselheiros. Os policiais encontraram ainda 7,2 mil dólares, 4,5 mil euros e 200 libras esterlinas. Ao todo, 20 pessoas são investigadas.
Em 8 de dezembro de 2022, a PF deflagrou a segunda fase da operação, batizada de Terceirização de Ouro. Ela apurou o contrato entre o TCE-MS e a Dataeasy Consultoria e Informática, com sede em Brasília.
Para a investigação, ficou demonstrado que a previsão de pagamentos por meio de Unidades de Serviços Executados (USEs) buscou o superfaturamento e o desvio de recursos públicos, gerando o descontrole da relação contratual.
Nessa fase, foram afastados dos cargos os conselheiros Iran Coelho das Neves, Waldir Neves e Ronaldo Chadid.
Em 10 de julho de 2024, foi deflagrada a terceira fase, denominada Operação Casa de Ouro. Ela foi fruto do aprofundamento das investigações, que tem como objetivo apurar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
A investigação cita imóvel de alto padrão negociado em 2016 e que teria como dono, de fato, Waldir Neves, apesar de ficar em nome de laranja. Em 2018, a casa foi vendida. Segundo a PF, o imóvel foi colocado em nome da empresa do amigo de infância de Neves, Vanderlei Morais, por meio de contrato celebrado com João Nercy Cunha Marques de Souza, naquela ocasião, assessor e funcionário particular do conselheiro.
Investigadores aram três anos analisando documentos e trocas de mensagens apreendidos e interceptados nas três fases da Operação Mineração de Ouro, até o desencadeamento da ação desta quarta-feira.