Afastados cautelarmente

Abin afasta servidores investigados por uso de sistema para espionagem ilegal

A Agência de Inteligência informou, por meio de nota, que a ferramenta de geolocalização de dispositivos móveis deixou de ser utilizada em maio de 2021

Por Lucyenne Landim e Renato Alves
Publicado em 20 de outubro de 2023 | 11:27

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) informou, por meio de nota publicada nesta sexta-feira (20), que afastou de forma cautelar os servidores investigados por uso ilegal de um sistema de geolocalização de dispositivos móveis (GPS). De acordo com investigações da Polícia Federal (PF), o sistema foi usado para espionagens sem a devida autorização judicial. A Abin acrescentou que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021.

As condutas ilegais, segundo a PF, teriam ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Na época, a agência era presidida pelo atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Bolsonaro e Ramagem não foram alvos de mandados. Jornalistas, advogados, políticos e adversários do governo do ex-presidente estão entre as pessoas que foram monitoradas ilegalmente por um grupo de agentes da Abin.

De acordo com a Abin, foi concluída em fevereiro deste ano uma verificação sobre a regularidade do uso do sistema de geolocalização. As informações resultaram em uma sindicância investigativa aberta em março. 

"Desde então, as informações apuradas nessa sindicância interna vêm sendo readas pela Abin para os órgãos competentes, como Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal. Todas as requisições da Policia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmente atendidas pela Abin. A Agência colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações", diz a nota.

"A Abin vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira (20). Foram afastados cautelarmente os servidores investigados. A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da ABIN reafirmam o compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito", completou o órgão de inteligência.

Software permite fazer consultas de até 10 mil celulares a cada 12 meses

De acordo com as investigações, o sistema de geolocalização utilizado pela Abin “é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira”. O sistema FirstMile foi desenvolvido pela empresa israelense Cognyte e comprado pela Abin por R$ 5,7 milhões, sem licitação, no governo de Michel Temer (MDB). 

O software permite realizar consultas de até 10 mil celulares a cada 12 meses. Era possível, ainda, criar alertas em tempo real, para informar quando um dos alvos se movia para outros locais.

Servidores também usaram sistema para coagir colegas e evitar demissões

Além do uso indevido do sistema, apura-se a atuação de dois servidores da Agência que, correndo o risco de serem demitidos por meio de processo istrativo disciplinar, teriam utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema para coagir colegas e evitar a expulsão da Abin.

Os 25 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Brasíilia, Alexânia (GO), São Paulo (SP), São José dos Campos (SP), Curitiba (PR), Maringá (PR), Florianópolis (SC) e Palhoça (SC).

Os investigados vão responder pelos seguintes crimes:

  • Invasão de dispositivo informático alheio;
  • Organização criminosa;
  • Interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial, ou com objetivos não autorizados em lei.

A Abin foi criada com o intuito de produzir relatórios para auxiliar a Presidência da República na tomada de decisões sobre os diferentes assuntos, em especial no que diz à defesa, alertando sobre possíveis ameaças, internas e externas.

Filho do general Santos Cruz também é alvo da PF

Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) Carlos Alberto Santos Cruz, é um dos alvos da PF na operação deflagrada na manhã desta sexta.

Segundo a colunista Bela Megale, do jornal O Globo, Caio Cesar dos Santos Cruz é apontado pelos investigadores como representante da empresa que vendeu o sistema à Abin. O software foi comprado pela agência brasileira por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer (MDB). A ferramenta foi utilizada ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021. 

Em março, O Globo revelou que a ferramenta chamada “FirstMile” ofereceu à Abin a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permite rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões.

Com base no fluxo dessas informações, o sistema oferecia a possibilidade de ar o histórico de deslocamentos e até criar “alertas em tempo real” de movimentações de um alvo em diferentes endereços.

Nos pedidos para conseguir as medidas judiciais usadas na operação desta sexta, a PF aponta que o sistema de geolocalização usado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. “A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”, informou a PF, em nota divulgada após o desencadeamento da operação.

Como o Globo mostrou à época da denúncia, um integrante do alto escalão da Abin afirmou que o sistema era operado sob a justificativa de haver um “limbo legal”. Ou seja, como o o a metadados do celular não está expressamente proibido na lei brasileira, a agência operava a ferramenta alegando serem casos de “segurança de Estado” — e, portanto, não estava quebrando o sigilo telefônico.