ENTREVISTA

Reale Jr. diz não ver brecha para impeachment de Moraes ou anulação de inquéritos no STF

O autor do pedido de impeachment de Dilma Roussef afirmou que Moraes 'não inventou nenhum fato' e denúncia apenas enfraquece cautelares

Por Lucyenne Landim
Publicado em 14 de agosto de 2024 | 13:33

BRASÍLIA - O jurista Miguel Reale Jr. não vê embasamento jurídico para a eventual abertura de um processo de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Na avaliação dele, Moraes "não inventou nenhum fato" e apenas medidas cautelares poderiam ser enfraquecidas nesse momento.

Reale Jr. foi o autor da ação que destituiu Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República em 2016, além de ter apresentado pedido de impeachment contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

Moraes tem sido alvo de aliados de Bolsonaro que querem o impeachment do dele após reportagem da Folha de S. Paulo revelar o uso de órgão de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a produção de relatórios que embasaram decisões no inquérito das fake news, do qual é relator no STF. Na época, Moraes era presidente da Corte Eleitoral.

Reale Jr. Lembrou, em entrevista ao O TEMPO Brasília, que o ministro Edson Fachin defendeu que o inquérito das fake news surgiu de forma “excepcional” e era justificável pela inércia de outros órgãos diante de apurações. A análise foi em 2020, durante o julgamento da validade da investigação.

“Por que ele pediu esses relatórios? Porque não tinha PGR [Procuradoria-Geral da República], não tinha Ministério Público. Ele [Moraes] teria que pedir ao Ministério Público para fazer, mas na verdade o Ministério Público inexistia, estava inerte com o [então chefe da PGR, Augusto] Aras, que era indiferente a qualquer processo que viesse a ser determinado de apuração de responsabilidade de Bolsonaro e de bolsonaristas. Esse era o problema”, afirmou.

Na avaliação do jurista, deve ser estabelecido um limite de repercussão no caso. Ele vê, por exemplo, brecha para que algumas ações de Moraes sejam anuladas, mas não para a extinção de todo o inquérito das fake news. “Foram fatos muito s, o inquérito não foi feito integralmente [com os dados dos relatórios]”, disse.

“Eu creio que, exclusivamente com relação a alguns relatórios que geraram medidas cautelares, como determinação de multa, apreensão de aporte, esses fatos poderiam ser considerados nulos. Mas não houve nenhum julgamento e o ministro Moraes não inventou nenhum fato, ele não criou nenhum fato. Ele pediu que fossem feitas investigações sobre fatos dos quais ele teve conhecimento pela imprensa e que eram ofensivos, lesivos, à República, ao TSE e ao STF”, acrescentou.

“É lógico que o bolsonarismo vai pensar que vai anular o processo das fake news por conta desses fatos, ou vai anular o processo sobre o 8 de janeiro. Imagina, não tem nada a ver. [...] É lógico que vão fazer estardalhaço, vão fazer barulho, pensando em conseguir pela via escusa processual eliminar os inquéritos que são extremamente importantes para a salvaguarda da democracia”, completou. 

Entenda

A nova reação se baseia nas mais recentes revelações, da Folha de S.Paulo, que revelam troca de áudios e de mensagens de auxiliares de Moraes. Os diálogos mostram que, enquanto presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro usou o setor de combate à desinformação da Corte para pedir a produção de relatórios para embasar suas decisões nos inquéritos das fake news e das milícias digitais no STF. Os principais alvos são Bolsonaro e seus aliados.

As mensagens, de acordo com o jornal, revelam um fluxo fora do rito oficial envolvendo os dois tribunais, com a utilização do órgão de combate à desinformação do TSE para investigar e abastecer um inquérito de outro tribunal, o STF, em assuntos relacionados ou não à eleição daquele ano. 

Há mais de seis gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes, entre eles o seu principal assessor no STF, que ocupa até hoje o posto de juiz instrutor (espécie de auxiliar de Moraes no gabinete), e outros integrantes da sua equipe no TSE e no Supremo.

Em algumas mensagens, assessores chegaram a relatar irritação de Moraes com a demora no atendimento às ordens dadas. “Vocês querem que eu faça o laudo?”, consta em uma das reproduções de falas do ministro. “Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, comentou um dos assessores. “Ele tá bravo agora”, disse outro.

O maior volume de mensagens com pedidos informais – todas no WhatsApp – envolveu o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, perito criminal que foi chefe chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE. Tagliaferro deixou o cargo em maio de 2023, depois de ser preso sob suspeita de violência doméstica contra a sua esposa, em Caieiras, no interior de São Paulo.

Outro lado

Moraes negou qualquer irregularidade nos procedimentos adotados nas investigações que comanda. Por meio de nota divulgada nesta terça-feira (13) pelo seu gabinete, ele esclareceu que “diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições”.

A nota diz ainda que os relatório descreviam publicações ilícitas feitas nas redes sociais devido “estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais”. “Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”, finaliza a nota.

O juiz Airton Vieira não se manifestou. Tagliaferro afirmou que não se irá responder, mas que “cumpria todas as ordens que me eram dadas” e não se recorda “de ter cometido qualquer ilegalidade”. 

As mensagens mostram que o juiz Airton Vieira pedia informalmente, via mensagens de WhatsApp ao funcionário do TSE, relatórios específicos contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Esses documentos eram enviados da Justiça Eleitoral para o inquérito das fake news, no STF.

Em nenhum dos casos aos quais a “Folha” teve o havia informação oficial de que esses relatórios tinham sido produzidos a pedido de Moraes ou do seu gabinete no STF. Em alguns, aparecia que o relatório era “de ordem” do juiz auxiliar do TSE. Em outros, uma denúncia anônima.