Liberdade de expressão?
E quero convidá-los a fazer outra análise: a quem é dado o direito de falar o que quiser e quem é historicamente silenciado
Em tempos de debates acalorados e decisões judiciais envolvendo o X (antigo Twitter), pode ser um bom momento para abordarmos liberdade de expressão e caminho aberto para ofensas. E quero convidá-los a fazer outra análise: a quem é dado o direito de falar o que quiser e quem é historicamente silenciado. Como detesto correr o risco de falar algo só com base no que acho, apesar de ser um espaço de opinião, vou citar uma história que pode nos dar alguns direcionamentos. Em Caruaru, no Pernambuco, aconteceu um caso no mínimo inusitado. Uma mulher foi condenada a dez anos e seis meses de reclusão, além de um mês de detenção, por racismo. Sim, é raro, mas algumas pessoas são enquadradas na lei que criminaliza violências contra negros.
A agressora obviamente se esforçou bastante para conseguir isso, não foi “do nada”. Consta no processo que ela teria dirigido ofensas a vizinhos com frases como “Bando de macacos”, “Família de macacos” e “Depois que esses macacos vieram morar aqui, não tenho mais sossego”. Não satisfeita, ela jogou pedras, paus, garrafas, bananas e tijolos contra a residência das vítimas e, para finalizar o combo, ameaçou incendiar o carro da família. Detalhe que a violência foi tão explícita que fez com que uma das pessoas atacadas, uma senhora de 72 anos, asse mal.
Até aqui, parece mais um dia normal em um país racista como o nosso. Mas agora vem a história: mesmo itindo que houve crime, uma vez que a mulher foi condenada, a juíza proibiu as vítimas de postar sobre o caso nas redes sociais. É isso mesmo. Você a por violências, tem a vida transformada em um inferno apenas por ser negro e, quando consegue finalmente fazer justiça, não pode comemorar.
E o que isso tem a ver com a história do X? Tudo! Quando a Justiça determinou que fosse bloqueada a rede social, o principal debate iniciado foi se estávamos diante de um desrespeito à liberdade de expressão. Meu objetivo com esse texto não é avaliar se foi uma decisão acertada ou não. Só estou a usando, a título de comparação, para trazê-la para uma realidade que impactou muitas pessoas. Porque não seria fácil encontrar quem tivesse sido proibido de comemorar uma vitória depois de ter sido vítima de um crime. Seria muito difícil conseguir com que mais pessoas alcançassem o quanto pode ser ruim ter a vontade de se expressar e não poder exercê-la.
Como várias pessoas lamentaram ter perdido a oportunidade de usar o X, pensei que o assunto ficaria mais palpável. Agora, eu pergunto: por qual motivo o racismo não pode ser escancarado? E, por outro lado, por que tantas pessoas brigam pelo direito de postar ofensas e, muitas vezes, notícias falsas? Estou dizendo que todos os usuários das redes sociais disseminam esse tipo de informação? Óbvio que não, mas é sempre bom reforçar.
Sabemos que uma parcela das pessoas confunde liberdade de expressão com caminho aberto para falar o que quiser. Porém, é importante lembrar que racismo, homofobia e vários outros preconceitos podem gerar prisões. São poucos? Sim. Pode ser que a vítima ganhe e não possa contar para as pessoas? Talvez. Mas isso não quer dizer que a lei não exista, não é? A aplicação dela talvez esteja comprometida, mas aí é papo para outro dia.
Voltando ao caso de Pernambuco, não é a primeira vez que pessoas negras são impedidas de manifestar alegria. A história é cheia de episódios assim, desde o período em que pretos e pretas eram escravizados no país. Quando houve a abolição da escravatura, também não deu para comemorar. Aqueles que conseguiram de fato sair dessa condição estavam muito ocupados tentando sobreviver. Depois, tivemos a proibição da capoeira. Uma criminalização do que remetesse à cultura afro que resistia no país.
É como se, naquela época, negro não pudesse ser feliz. O motivo? Ser preto. São situações completamente diferentes, eu sei. Mas que, a distância, soa como motivações bem próximas. A liberdade de expressão? Esse é o menor problema da negritude.