Setembro Amarelo: e quem fica?
A finitude da vida, apesar de certeira, deixa marcas difíceis de serem superadas

O luto pela morte de uma pessoa querida é doloroso, dilacerante, destruidor. Eu poderia escrever aqui vários outros sinônimos e ainda não chegaria nem perto do que de fato sentimos nessa despedida forçada. A finitude da vida, apesar de certeira, deixa marcas difíceis de serem superadas. Mas, neste Setembro Amarelo, quando a campanha nos faz um chamado a pensar sobre o suicídio, eu queria propor um olhar para quem fica: os chamados “sobreviventes do suicídio”, tamanha a dor que enfrentam em uma perda cheia de dúvidas e tabus. E no silêncio de uma epidemia de mortes nesse contexto, outras vidas se vão seja pela culpa, pela depressão ou pelo julgamento.
Sim, esta coluna ainda é sobre negritude. Mas o racismo é um assunto amplo mesmo. Se estamos focados em uma camada da população que tem menos o à saúde, isso inclui a física e a mental. Uma pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade de Brasília mostrou que o risco de suicídio entre jovens negros do sexo masculino entre 10 e 29 anos é 45% maior do que entre jovens brancos da mesma faixa etária.
Apesar de ter citado esses números, a reflexão que queria trazer é mais ampla. Porque, se tem uma coisa que une os diferentes, é a dor da morte. Ela chega para todo mundo. Para uns, de forma mais traumática e com menos o e, para outros, cercada de cuidados. Mas ela vem. E o que vemos no Brasil hoje são pessoas de todas as idades e classes sociais adoecidas e escolhendo não seguir a vida. Isso acontece por minuto em uma sociedade que atrela esse tipo de morte à falta de Deus, ao abandono e à fraqueza. Mas o que faltou para os que foram não necessariamente foi religião, apoio ou garra. O que falta é uma visão honesta sobre o adoecimento mental e uma política de o ao tratamento.
O suicídio é multifatorial, ou seja, é reflexo de contexto de vida, histórias não contadas, dores não solucionadas e doenças não diagnosticadas. Porém, uma questão une a grande maioria daqueles que atentam contra a própria vida: o que chamam de “dor na alma”. Uma dor que em quase todas as situações está ligada às perturbações da mente.
Eu pergunto a vocês: podemos de fato culpar os que ficaram pela morte de um ente querido? Uma vez, entrevistei uma mulher que tinha uma filha de 16 anos que havia tentado se matar de inúmeras formas. Essa mãe saiu do trabalho para vigiar a filha, ou a viver da ajuda financeira de outras pessoas, e, um dia, acordou com a jovem morta no quarto. Sei que o caso é pesado e talvez você não quisesse ler isso agora. Eu entendo e respeito. Só queria fazer um apelo para que, ao replicar na internet a campanha com a cor amarela em balões, você tenha o cuidado de não soltar frases descontextualizadas como: “Olhe para quem está do seu lado, porque você pode salvar essa vida”. É sério que coletivamente acreditamos que quem recorreu a esse tipo de saída não tinha ninguém que o amasse? Em muitos casos, essas pessoas estão em sofrimento mental e vícios há tanto tempo que a família também está adoecida e cansada. E depois ainda ouvem nos velórios comentários como “ele não vai para o céu” ou “por que ninguém o ajudou?”.
A campanha está errada? Não. O equívoco é na interpretação rasa que alguns fazem de um fenômeno tão complexo. Seria o equivalente a perguntar para familiares de pessoas que morrem, por exemplo, de câncer de pulmão por qual motivo ninguém as proibiu de fumar. Qual a leitura certa para essa campanha? Algo mais ou menos assim: estamos em uma sociedade adoecida, em que várias pessoas estão ando por dores incalculáveis e silenciosas. Portanto, faça sua parte e torne o dia de quem está ao seu redor o mais leve possível. Dê a mão para quem estiver ao seu alcance, mas exija dos políticos eleitos por você que eles tornem o tratamento de doenças mentais cada vez mais ível. E isso tudo vai impedir de você perder alguém dessa forma? Talvez não. Mas não lutamos por o à quimioterapia na esperança de reverter quadros de cânceres mesmo sem saber se o tratamento será eficaz para todos? A morte está logo ali, isso é fato, mas a vida pode ser aproveitada até o fim, seja ele como for.