O palco pode, mas o protagonismo não
Meu papo de hoje não trata de quantos, e sim de em quais condições
Que pessoas negras têm conseguido espaço em diversas áreas não é mais novidade para ninguém. Estamos nas universidades, em cargos de liderança, no cinema e em quantas mais áreas quisermos citar. Em menor número, sabemos também. Mas meu papo de hoje não trata de quantos, e sim de em quais condições. Subimos no palco, mas o que quero refletir hoje é: em papel de protagonismo e igualdade?
Trago esse questionamento em função de algumas situações. Uma delas é um vídeo que recebi de uma amiga, com a incrível atriz Viola Davis. Ela fala o seguinte: “Eu tenho o Oscar. Eu tenho o Emmy. Eu tenho dois Tony Awards (maior premiação de teatro do mundo). Eu fiz a Broadway. Eu fiz teatro fora da Broadway. Eu fiz televisão. Eu fiz cinema. Eu fiz tudo! Eu tenho uma carreira comparável com a de Meryl Streep, Julianne Moore, Sigourney Weaver. Elas tiveram o mesmo caminho que eu tive. E mesmo assim não estou nem perto delas. Nem perto do dinheiro, das oportunidades de trabalho. E ainda tenho que pegar o telefone – a propósito, eu tenho agentes maravilhosos, e eles estão lidando com isso. Eu tenho que atender o telefone e as pessoas dizem: ‘Você é a Meryl Streep preta! E nós amamos você! Não tem ninguém como você!’. Ok, se não tem ninguém como eu, e você acha que eu sou isso tudo, me pague o que eu valho!”.
Eu poderia parar o texto aqui. Ela expressou de forma tão direta e verdadeira que mal cabem comentários. Mas, se a Viola Davis, essa mulher poderosa, talentosa, internacionalmente conhecida, não consegue ser vista em pé de igualdade no contexto em que ela está, imaginem as outras pessoas pretas do mundo. Ela foi a primeira mulher negra a ganhar a estatueta do Emmy como Melhor Atriz Dramática, em 2015. É uma pessoa que faz história no mundo. Mas vem o mercado e a diminui da forma mais fácil possível: com pagamentos menores do que os de suas pares.
É assim que, cotidianamente, pessoas negras são lembradas de que podem ser iguais, mas não vão ser tão iguais assim. Em um mundo onde o dinheiro determina o tipo de casa que você vai ter, de roupa que vai usar, de carro que vai andar, de escola onde seus filhos vão estudar e locais onde você vai frequentar, não teria forma mais eficiente de manter pretos em condições de inferioridade do que não pagando aquilo que eles merecem.
“Isso é mercado, e não racismo”, podem dizer aqueles que preferem se iludir a encarar a realidade. Afinal, interessa a quem uma equidade? Só a presença de pessoas negras em algumas posições já é indigesta para uma camada da população. Quer outro exemplo? Quem duvida de que o Vini Júnior merecia a Bola de Ouro? Se o futebol tivesse de fato ganhado, como foi dito, sabemos que ele seria aclamado. Mas não. Sabe qual mensagem querem nos ar ao não premiá-lo? Que ele já chegou longe o bastante para uma pessoa negra. E é uma mensagem a todos nós ao mostrar que um jogador pode ser o protagonista só por se encaixar no perfil considerado ideal pela sociedade, mesmo sem ser o melhor. E isso não acontece só em profissões de holofotes como jogadores de futebol e atores. Recentemente, um homem que trabalhava em um bar de Belo Horizonte viralizou com ataques racistas gravados em vídeo. Ele falou atrocidades que vão de críticas à Lei Áurea, que oficializou o fim da escravidão, a palavras de ódio direcionadas aos negros. Quando foi preso, ele justificou que as falas foram ditas em um momento de raiva contra uma companheira de trabalho. Ou seja, ela também deveria ser inferiorizada por ser negra.
Trouxe esses três exemplos para mostrar como o racismo estrutural acontece. Não é só quando pessoas são chamadas de nomes pejorativos, como no último caso que citei. É quando existe uma estrutura social de inferiorização nítida e tão comum que deixa de ser questionada. Sabe como você pode mudar esse quadro? Deixando de vê-lo como natural e tentando mostrar para mais pessoas que isso acontece. Quem sabe assim as próximas Violas possam se ocupar apenas com ser brilhantes e não precisem mais pedir igualdade.