Marcus Pestana

Voto, maioria e governabilidade

Diferenças entre presidencialismo e parlamentarismo

Por Marcus Pestana
Publicado em 05 de agosto de 2023 | 07:00

O velho estadista inglês nos advertiu: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. A democracia é invenção humana. Imperfeita como tudo o que é humano. Repleta das virtudes e dos pecados que marcam a vida de nós, pobres mortais. A própria ideia de representação é, por definição, imperfeita. Introduzidos filtros para a escolha dos representantes da sociedade, distorções são inevitáveis. Os representantes não são um espelho absolutamente fiel dos representados. 

No Brasil, optamos pelo presidencialismo. A maioria absoluta dos países desenvolvidos optou pelo parlamentarismo, que se mostra muito mais fluido e flexível para lidar com as inevitáveis crises e imes. O presidencialismo americano só funciona bem por ser um sistema bipartidário, ancorado no voto distrital puro, em que a ligação entre representantes e representados é estreita. 

Ainda assim, é possível aperfeiçoar o presidencialismo brasileiro. A frouxidão e os equívocos de nossa legislação eleitoral geraram um quadro partidário difuso, inconsistente e disperso e uma representação parlamentar crescentemente fragmentada. Isso torna missão quase impossível o presidente da República formar maioria sólida e estável e a oposição ganhar nitidez. Paralelamente, o Congresso Nacional teve seu poder extremamente dilatado, sem o crescimento proporcional de suas responsabilidades com a governabilidade. 

No parlamentarismo, o governo só assume se tiver maioria parlamentar para governar conquistada nas urnas. E, se perder a maioria, cai, com a votação de uma moção de desconfiança e a convocação de novas eleições para a redefinição dos caminhos futuros. Aqui, a maioria é formada a posteriori. E algum malabarismo político se faz necessário.

Ainda agora, forças que apoiaram outra candidatura negociam com o presidente, legitimamente dentro da lógica de funcionamento do sistema, a entrada no governo e o apoio parlamentar. Aliás, o centrão, tão criticado às vezes, tem revelado uma funcionalidade essencial para a operação de um sistema disfuncional. Como não tem rigidez ideológica, acaba fazendo um movimento pendular e garantindo a governabilidade para todos os governos, independentemente de o presidente ser Lula, Michel Temer ou Bolsonaro. 

O Congresso tem até produzido muito, apesar das mazelas de nosso sistema político: reformas trabalhista e previdenciária, novos marcos do saneamento e das ferrovias, entre outros temas, e, agora, a reforma tributária e o arcabouço fiscal. O problema é que a população não acompanha, não fiscaliza nem participa. Se fosse feita uma pesquisa de opinião pública hoje, garanto, com base na experiência, que 70% das pessoas não saberiam dizer sequer o nome do deputado em quem votou em 2022. Isso nunca aconteceria nos EUA, na França ou na Inglaterra. 

A cláusula de desempenho e a proibição das coligações proporcionais vêm desempenhando, ainda que lentamente, papel corretivo na excessiva pulverização da representação parlamentar. A legislação sobre o funcionamento dos partidos políticos pode ser aprimorada qualificando sua governança, assegurando a transparência das ações e estimulando a democracia interna.

No entanto, o mais importante é envolver o cidadão brasileiro com as decisões nacionais. E só há um caminho: a mudança de nosso sistema eleitoral, assunto que ficará para a próxima semana. 

Marcus Pestana é economista e ex-deputado federal