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Marcus Pestana

Marcus Pestana é ex-deputado e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI)

MARCUS PESTANA

Governabilidade e transformação

Instituições e a questão da maioria parlamentar

Por Marcus Pestana
Publicado em 26 de outubro de 2024 | 07:00

A democracia política emerge como expressão das mudanças necessárias para dar vazão ao desenvolvimento do sistema capitalista. A monarquia absoluta, funcional para a centralização de recursos e esforços na expansão do capitalismo comercial em escala global por meio das grandes navegações, tornou-se um obstáculo ao desenvolvimento capitalista, quando a dinâmica da acumulação de capitais migrou da circulação para a produção. 

Era preciso um sistema político permeável à ação descentralizada de inúmeros empreendedores privados. A democracia moderna, filha das revoluções Industrial, sa e Americana, nasce como expressão política de uma sociedade que se organizava tendo como pilar a liberdade individual e econômica.

A democracia nasce moldada pela ideia de representação. Seria impossível reproduzir as práticas da democracia direta da Antiguidade grega. Tratava-se de governar grandes nações, e não cidades-Estados, com escalas populacionais muito maiores. Vale lembrar que, mesmo na Atenas de Péricles, mulheres, estrangeiros e escravos não votavam.

Para dar funcionalidade à democracia moderna, nasceram instituições e a divisão de Poderes. De um lado, o Parlamento, representativo do conjunto plural da sociedade, e os partidos políticos, ferramentas organizadoras de pessoas com alguma identidade de ideias visando à disputa do poder. De outro, a dinâmica republicana de freios e contrapesos com a divisão de papéis entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Para governar, é preciso conquistar maioria parlamentar e legitimação social. Governo sem maioria não consegue implantar seu programa. No parlamentarismo europeu, canadense ou japonês, ao perder a maioria, o governo cai, e aí uma nova maioria se forma ou se convocam novas eleições. No presidencialismo americano, o sistema bipartidário assegura alguma estabilidade.

Digo isso para chamar atenção para um aspecto central: boa parte da indefinição de rumos do Brasil nas últimas duas décadas se deve ao fato de o governo não dispor de maioria parlamentar sólida, que apoie e aprove as medidas necessárias para a implantação do programa eleito dentro do presidencialismo brasileiro. O Parlamento tem protagonismo crescente, mas sem as responsabilidades institucionais proporcionais com a governabilidade. Deveríamos migrar para o parlamentarismo e para algum tipo de distritalização do voto. Há, no entanto, enormes resistências a qualquer mudança.

Se o Brasil vem inovando, com governos sem maioria parlamentar consistente, a democracia contemporânea também vem sendo desafiada pela fragmentação social e pela pulverização partidária. Não somos mais solitários.

Macron perdeu a maioria na França. Milei governa sem maioria na Argentina. Pedro Sanchez, na Espanha, formou maioria por um triz, ancorado nas minorias nacionalistas catalã e basca. Luís Montenegro, em Portugal, também não possui maioria e tem que pendular entre a esquerda e a extrema direita. A coligação-semáforo na Alemanha é pressionada pelos péssimos resultados eleitorais. Trump sequestrou o Partido Republicano das suas melhores tradições e ameaça a democracia norte-americana.

O desafio presente no Brasil é: como aprovar as transformações estruturais necessárias para retomar um desenvolvimento vigoroso e sustentável sem que haja um bloco político majoritário fiador dessas mudanças?