Casal sozinho não tem como tirar foto de corpo inteiro. É sempre selfie — mas selfie cansa.
Mantenho certa dignidade para não recorrer ao pau de selfie, tampouco acionar o temporizador no meio do povo.
Chega um momento em que Beatriz e eu somos obrigados a pedir ajuda a alguém que a por perto. Dependemos da boa vontade de terceiros.
Viramos mendigos do amor em restaurantes, bares ou pontos turísticos.
Quando estamos em viagem — nossa lua de mel parcelada por todo o casamento —, seja em Florença, seja Jericoacoara ou Fernando de Noronha, o desejo por uma testemunha que se transforme em fotógrafo ocasional bate mais forte.
Queremos captar a paisagem além dos nossos rostos. Não perder a chance de congelar o instante histórico. Ansiamos por nos tornar cartões-postais com selo e espaço para destinatário. A ideia é postar logo e seguir o roteiro.
Acelerando a urgência, Beatriz ainda cutuca:
— Não sei se vamos voltar para cá. Temos que aproveitar!
Só que a qualidade nunca é a esperada. Ou muito melhor, ou muito pior — irremediavelmente superlativa.
As cenas pecam pela quantidade.
Pode parecer ingratidão, mas toda vez que peço esse favor, nunca é apenas uma foto. É uma metralhadora giratória de cliques, de frames.
Vou ver o resultado: cinquenta poses com idêntico enquadramento. Um book — mas sem curadoria. Um amontoado inconsequente e descontrolado de um único minuto.
Como a pessoa apertou tantas vezes o botão?
Aquele botão silencioso disfarça a sua fertilidade.
Acaba criando um problema real para celulares já no limite do armazenamento. O aparelho trava. Fica sem memória por causa dos registros duplicados.
É a tendência da multiplicação: a gente nunca faz tantas tomadas com o próprio celular, mas com o celular alheio não economiza nada.
O ato desenfreado lembra a proliferação em Gremlins, filme que marcou a minha adolescência (1984). As fotos são como o bichinho Mogwai. Quando molhado, ele se clona assustadoramente.
Existe uma generosidade prejudicial: oferecer o maior número possível de alternativas. O gesto termina em bloqueio emocional — ninguém consegue definir qual é a ideal.
Não se considera o perfeccionismo dos retratados, que se confundem diante da variedade de cópias e sósias.
Liberdade demais também paralisa. O excesso é uma prisão.
Com tantas opções, minha mulher leva duas horas para eleger a melhor. Assim como em cardápio de sushi: um detalhe positivo numa imagem, outro favorável noutra — e nenhuma que reúna todas as virtudes ao mesmo tempo.
São pequenas variações e sutilezas imperceptíveis a olho nu. Ampliamos com o dedo, examinamos cada sorriso, comparamos e, no fim, escolhemos sempre a conservadora, infalível e autônoma selfie.