O Carnaval de BH e a ocupação do espaço público
Muito além da festa: Fomento à economia e território simbólico de luta
Juhlia Santos é vereadora em Belo Horizonte (PSOL)
O Carnaval de Belo Horizonte em 2025 reafirma a sua potência como espetáculo público, democrático, plural e diverso, consolidando-se como um dos maiores fomentos da economia criativa da cidade. Mais do que a folia, o Carnaval se apresenta como uma ocupação coletiva das ruas, reivindicando o direito à cidade, à cultura e tensionando os limites entre festa, política e luta.
Uma atmosfera de celebração que não se distancia da consciência política. Ao contrário, demonstra como a disputa pelo território e pela retomada da cidade, sobretudo por presenças empurradas intencionalmente às margens, a geração de renda para as periferias, a vocalização de denúncias que escancaram o interesse perverso de quem se beneficia das desigualdades sociais, coabitam com a folia.
Em Belo Horizonte, o Carnaval acena para a construção que pulsa um desejo inatacável pela presença política de corpos que são – no esforço brutal de políticas discriminatórias – propositalmente esquecidos. Nessa direção, a folia se transforma em possibilidade, em ocupação e construção da lembrança, reagindo às lógicas necropolíticas que se logram do apagamento, do aniquilamento da memória e da negligência como etiqueta política. Em diálogo com as periferias, com os movimentos sociais e com agendas que pulsam dignidade e justiça social, o Carnaval em Belo Horizonte compõe o que podemos chamar de política da vida.
A expectativa para este ano é que mais de 6 milhões de pessoas tenham participado da festa, superando o recorde de 2024, quando 5,5 milhões de foliões tomaram as ruas. A movimentação econômica deve ultraar R$ 1 bilhão entre os dias 15 de fevereiro e 9 de março, evidenciando o impacto direto da economia criativa na vida urbana. A economia da festa acontece em todos os cantos da cidade, desde o centro até as periferias, no trabalho de quem monta, vende, toca e faz tudo acontecer.
Belo Horizonte, uma das principais capitais culturais do país, auxilia na contribuição para os 3,11% do PIB nacional da economia criativa, que segundo o Observatório Itaú Cultural, pulsa por meio de festivais, shows, espetáculos de teatro e manifestações culturais que consolidam a cidade como referência no cenário nacional. O Carnaval revela o que as planilhas de impacto econômico não capturam: uma cidade que se (re)inventa a partir de suas brechas, de seus afetos e da festa coletiva.
Enquanto os grandes blocos e escolas de samba arrastam multidões, a festa pulsa também no micro: na barraquinha da Dona Cleuza, ambulante da regional leste, que garante o dinheiro para terminar o puxadinho onde cada filho terá seu quarto. Ou na produção artesanal de maquiagem biodegradável da Drika do Glitter, que mobiliza três gerações da família para distribuir brilho para todo o país. Histórias como essas se multiplicam pelas regionais, revelando o Carnaval como ferramenta de geração de renda para as periferias.
O Carnaval é capilarizado e com ela as lutas, as ruas, a festa se alinha às pautas populares e aos movimentos sociais. O Bloco Então, Brilha! abriu seu cortejo às 5h da manhã com um manifesto em defesa da Reforma Agrária Popular, com a presença do Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Sem Terra. O coro "Uh, vai ser preso!" ecoou em vários blocos, cobrando a responsabilização dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. O Bloco Ainda Estamos Aqui celebrou o Oscar de Melhor Filme para o longa homônimo dirigido por Walter Salles, que narra a história de resistência das vítimas da ditadura militar no Brasil em com a história de Dona Eunice que perdeu o marido, brutalmente assassinado por militares.
A música, como sempre, foi território de encontro e afirmação. Tati Quebra Barraco e FBC arrastaram multidões no Bloco Seu Vizinho no Aglomerado da Serra, onde a favela dançou, cantou e reivindicou a cultura e a festa como direito humano inegociável. Nos bairros Lagoinha e Concórdia, os cortejos em homenagem às tradições afro-brasileiras reafirmaram a espiritualidade negra como território de resistência, ancestralidade e celebração.
A festa não apaga as contradições da cidade – ela as escancara. A rua, disputada todos os dias pelo simbólico contra gentrificação, é tomada como espaço de liberdade, de fabulação coletiva e construção de futuros possíveis a todas as existências. E a alegria é parte determinante dessa reivindicação!
O Carnaval de BH é território simbólico da alegria. Em cada tambor, cada batuque e cada o, a cidade canta, dança e reivindica o direito à rua como plataforma para existir, resistir e reinventar mundos possíveis a todas as existência.