Thais Carla é alvo de críticas após cirurgia bariátrica e acende debate sobre militância
Influenciadora e dançarina que se habituou a falar sobre gordofobia na internet ou a enfrentar onda de preconceito com julgamentos nas redes sociais
A influenciadora, coreógrafa e dançarina Thais Carla se viu no centro de uma polêmica na última semana. Conhecida por defender a liberdade dos corpos e a auto-aceitação, especialmente em relação à gordofobia, ela sofreu ataques nas redes sociais depois de se submeter a uma cirurgia bariátrica para redução do estômago, dando continuidade a um processo de perda de peso no qual já tinha eliminado cerca de 30 quilos. Condenado a indenizar Thais em R$5 mil por danos morais em 2021, após ofendê-la com supostas piadas, o humorista Leo Lins pegou carona na polêmica e postou nas redes sociais que “ajudou a pagar” parte do procedimento.
Thais reagiu contra as críticas dizendo que “nunca defendeu a obesidade, mas o amor próprio, que é algo completamente diferente”. “Me aceitar e lutar contra a gordofobia nunca significou romantizar a dor ou a limitação, muito pelo contrário. Sempre falei sobre saúde emocional, autoestima e respeitar os próprios limites”, declarou. Na opinião da psicóloga e especialista em terapia cognitivo-comportamental, Thamires Barcellos, o episódio revela “o quanto a nossa sociedade ainda vigia os corpos não normativos e se sente no direito de opinar sobre as escolhas individuais dos sujeitos”.
“Existe uma idealização padronizada de corpo para além da intolerância à complexidade humana. Mesmo o corpo gordo declaradamente ‘militante’ só é tolerado até certo ponto. Quando a escolha individual rompe com a expectativa alheia, ele logo vira alvo. Entrando um pouco na psicanálise, podemos entender o julgamento como uma forma de defesa. Quando o outro faz algo que ameaça meu lugar simbólico, eu reajo atacando. Julgamos para não entrar em contato com nossas próprias contradições”, analisa a psicóloga.
Tolerância
Thamires defende que, para superar este cenário, “é importante que haja desenvolvimento do pensamento crítico e uma maior flexibilidade cognitiva, porque o mundo não é preto no branco, nada é binário”. Cultivar uma “compaixão ativa e a escuta empática”, compreendendo que “quando julgamos alguém pela aparência ou pelas escolhas corporais estamos reagindo aos nossos próprios medos e crenças” seria outra saída contra a intolerância.
“É urgente resgatarmos a autonomia do corpo como direito pessoal, porque ninguém tem o direito de ditar o que você deve fazer com o seu próprio corpo, mesmo que esse alguém seja o coletivo, a internet, a mídia ou um grupo militante. Ao nos tornar mais conscientes, podemos educar outras pessoas, especialmente as crianças e adolescentes, para a diversidade e complexidade do ser humano, promovendo conversas, conteúdos e espaços seguros onde corpos diversos possam existir sem precisar se explicar o tempo todo, e isso é parte do processo de cura coletiva”, afiança.
A especialista pontua que, “em um processo terapêutico, antes de pensarmos em ferramentas, é preciso contextualizarmos a existência de cada sujeito”. “O contexto sócio-histórico importa, para entendermos melhor quais impactos culturais formaram a identidade e as crenças do indivíduo. Qual a visão que esta pessoa tem sobre o mundo e sobre si mesma? Como ela acredita ser impactada pela mídia, pelas pessoas ao seu redor e quais as estratégias de enfrentamento foram desenvolvidas ao longo da vida? Quem são e como funciona a rede de apoio dessa pessoa? Quais habilidades psicológicas são mais fortes e quais são as suas vulnerabilidades?”, indaga Thamires.
Culpa e libertação
A entrevistada aponta que “o comportamento alimentar, assim como qualquer outro comportamento, é uma resposta regulatória à cadeia de pensamentos e ao processo emocional desencadeado a partir de algum estímulo externo ou interno, seja de ambiente ou de memórias e projeções, e ele não surge do nada”. “Culturalmente a comida é constantemente ligada ao prazer e ao conforto, e por isso é a forma mais comum na busca por regulação emocional”, destaca.
A terapia cognitivo-comportamental oferece algumas técnicas para lidar com a questão, como a atenção plena e a compaixão focada na autoestima, que auxiliam a pessoa a “trabalhar melhor seus níveis de consciência na tomada de decisão, para a realização de um comportamento mais intencional, sem buscar automaticamente a comida como primeiro recurso”.
Thamires pondera que “a ambivalência é algo muito real e que não pode ser ignorada”. “O corpo gordo, apesar de ser um corpo portador de uma doença crônica grave e progressiva, não é tratado como tal, gera julgamento externo e grande desconforto social ao indivíduo, distanciando-o da busca por um tratamento eficaz, uma vez que este é acometido pela culpa e vergonha”.
A especialista atesta que “quando não temos um espaço emocionalmente seguro, nossos mecanismos de defesa são ativados, e, dentro desta perspectiva, a terapia pode ser crucial para que a pessoa consiga aprender a se desapegar da cobrança externa e a priorizar a sua individualidade e seus valores pessoais”.
Um método eficiente que ela sugere é a chamada terapia de aceitação e compromisso, que estimula a pessoa a “sustentar as escolhas baseadas em seus valores, mesmo diante de críticas”. “Também é importante se educar sobre a gordofobia estrutural e o controle social sobre o corpo, porque quando temos clareza sobre os mecanismos do sistema opressor, é mais viável que a pessoa se liberte da culpa”, observa Thamires.
A afetividade da culinária
A psicóloga Thamires Barcellos sustenta que “é preciso entender que a comida representa cultura, memória e vínculo”. “A comida, para a psicanálise, está ligada ao primeiro objeto de prazer: o seio materno, ou seja, nunca será só sobre nutrição, a comida sempre será fonte de prazer e não precisa deixar de ser”, enfatiza. No entanto, a ideia de ressignificar essa relação é “permitir que a comida continue sendo prazerosa, mas que não seja o único lugar onde o prazer acontece”.
“Podemos somar novas fontes de prazer, ao invés de tentar subtrair a comida da vida. Criar pequenos rituais de autocuidado que envolvam o corpo de forma afetuosa como dançar, receber uma massagem, vestir algo que te represente. Revisitar ou criar novas memórias sem comida também ajuda a ampliar o repertório emocional”, enumera a especialista.
Cumpre lembrar que, quando uma atividade se torna compulsiva, o prazer cede lugar ao vício, cuja presença não nos causa nenhuma sensação positiva, mas a ausência enche-nos de tormento. Thamires concorda que, nessa caminhada, uma “rede de apoio é fundamental, mas é importante observar quem são as pessoas que realmente sabem ouvir e acolher sem julgamento”.
“No processo terapêutico é importante que haja o envolvimento da família e das pessoas mais próximas, para que compreendam o impacto dos comentários sobre o corpo, a dieta ou a comida. Também é interessante que a pessoa participe de grupos terapêuticos presenciais ou online, para compartilhar vivências com outras pessoas que enfrentam desafios parecidos, o que promove o acolhimento e a sensação de pertencimento. E não podemos esquecer da importância do estabelecimento de limites saudáveis, pois será necessário aprender a dizer ‘não’ para conversas, piadas ou convites que vão contra o processo que a pessoa está enfrentando”, arremata a psicóloga.