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Viagem do espírito fora do corpo
Expectativas podem ser mais estratégicas do que imaginamos (além de inevitáveis)
Psicóloga questiona ideia de que ‘não criar expectativas’ seria a chave para uma vida emocionalmente estável
Quantas vezes você já ouviu – ou até mesmo disse – a frase “não crie expectativas”? Parece um conselho sensato, quase um mantra de autocuidado, como se evitar sonhar, planejar ou projetar futuros fosse a chave para uma vida emocionalmente estável. Mas será que é possível e realmente saudável viver sem expectativas?
A verdade é que, por mais que tentemos nos blindar contra frustrações, somos seres naturalmente orientados para o futuro e, por isso, estamos sempre a imaginar cenários, nutrir esperanças e traçar planos. É o que indica a psicóloga Ana Luísa Bolívar, para quem, ao contrário de serem encaradas como um problema, expectativas podem ser bem-vindas e até um dos pilares do nosso bem-estar e crescimento.
Para ela, aliás, o medo de criar se iludir com situações imaginárias está profundamente ligado ao desconforto que a frustração provoca. “O ser humano não gosta de sentir emoções que julga negativas, como a impotência ou a tristeza que acompanham uma expectativa não correspondida”, explica. Por isso, muitas pessoas adotam a postura de “não esperar nada” como uma forma de evitar sofrimento. Essa estratégia, porém, ainda que pareça segura, pode levar a uma vida apática, sem direção ou motivação. Afinal, como construir algo, seja um relacionamento, uma carreira ou um projeto pessoal, sem antes imaginá-lo?
Esse efeito de projeção, portanto, é importante para o nosso desenvolvimento. Tanto que a psicóloga faz questão de ressaltar que as expectativas, quando realistas e alinhadas aos nossos valores, são justamente o que nos impulsiona a seguir em frente. “Elas sustentam nossos desejos, sonhos e ambições, dando propósito ao que fazemos”, examina.
O lado positivo das expectativas, prossegue, vai além da mera idealização. Elas funcionam também como um mapa, ajudando-nos a traçar caminhos e a manter o foco. Nos relacionamentos, por exemplo, a expectativa de construir algo com alguém nos leva a investir tempo, diálogo e afeto, fazendo que aquela relação faça sentido para nós. “Essas motivações positivas fortalecem nossos laços e projetos, desde que estejam ancoradas na realidade”, assinala Ana Luísa, inteirando que o mesmo vale para outras searas da vida, como no caso da carreira: ter chances de crescimento pode nortear nossas ações e nos levar a desempenhar melhor nossas funções.
O problema, assegura a profissional da saúde, não está em ter expectativas, mas em como lidamos com elas – e, principalmente, em como reagimos quando as coisas não saem como planejado.
Encontrar prazer na caminhada
Ana Luísa Bolívar prossegue lembrando que surpresas positivas, aquelas que superam nossas expectativas, vão ativar naturalmente o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina e gerando sensação de prazer e satisfação. É gostoso, ite a psicóloga, para, em seguida, ponderar que não seria prudente atrelar nosso bem-estar a essas situações ocasionais, que dependem sempre de fatores externos.
“A chave é encontrar satisfação no processo, não apenas no resultado”, orienta, inteirando que essa habilidade pode ser mais fácil para algumas pessoas, enquanto outras tendem a sofrer mais quando algo sai do seu controle. Ela indica que diferenças individuais na regulação emocional e na capacidade de adaptação explicam esse descomo, uma vez que cada um tem uma história, traumas e recursos internos distintos.
Separar o que é meu do que é do outro
Além de esbarrar na rigidez, a psicóloga avalia que outro empecilho na lida com as expectativas está relacionado à difícil tarefa de distinguir aquelas que são nossas, de fato, daquelas que nos são sugeridas – pela sociedade, pela cultura ou pelas mídias. Ainda mais em um mundo que oscila entre o “não crie expectativas” e o “você pode ter tudo”.
As redes sociais, por exemplo, com seus retratos cuidadosamente editados da vida alheia, distorcem nossa percepção do que é real e alcançável e podem acentuar essa confusão. “O maior perigo hoje é a comparação”, alerta. “Vemos apenas os destaques da vida dos outros e idealizamos uma perfeição que não existe”, pontua, indicando que essa dinâmica pode alimentar expectativas irreais, que, quando não correspondidas, tendem a desencadear ansiedade, insatisfação crônica e até depressão.
O antídoto, segundo ela, está no autoconhecimento. “Quando entendemos nossos próprios valores e limites, fica mais fácil discernir entre o que é um sonho legítimo e o que é apenas uma projeção influenciada por padrões externos”, aconselha. Mas expectativas, mesmo as que não são meros ecos exteriores, podem e com frequência são frustradas. O que fazer, então, quando os planos não saem conforme o script? A resposta, curiosamente, não está em abandoná-las, mas em aprender a modular nossa relação com elas.
A dica fundamental é se conhecer para, então, ser capaz de distinguir entre a expectativa saudável e aquela que é nociva. A primeira, informa Ana Luísa, está alinhada com quem somos e com o que realmente desejamos, enquanto a segunda é frequentemente moldada por pressões externas ou por comparações injustas. Mas ela situa que, sim, o limite entre as duas pode ser tênue. Um sonho mais ambicioso, por exemplo, pode ser motivador se for acompanhado de planejamento e paciência, mas pode se tornar uma fonte de frustração se for rígido demais ou desconsiderar a realidade.