FITOTERAPIA

Marcos Guião reúne ‘causos’ e saberes medicinais em livro

“Ontem Escutei e Hoje Conto” traz 65 crônicas, divididas em cinco estações

Por Ana Elizabeth Diniz Especial para O TEMPO
Publicado em 20 de maio de 2025 | 03:10

Há 25 anos, o jornalista, educador e produtor de plantas medicinais Marcos Guião deixava Belo Horizonte rumo a São Gonçalo do Rio das Pedras, comunidade localizada na serra do Espinhaço, no Alto Jequitinhonha e distrito do Serro. É um lugarejo de poucos habitantes, natureza privilegiada e Cerrado riquíssimo em plantas medicinais. 

Sua intimidade com as plantas já vinha de muito antes, com projetos, cursos e vivências em Minas Gerais. Mas ali, em São Gonçalo do Rio das Pedras, vivendo o dia a dia, outros universos foram se descortinando, e ele e as plantas quase se tornaram um. 

“Em 2000, quando vim morar na roça, eu tinha um sonho: acompanhar o ciclo completo da natureza e, com isso, entender um pouco melhor como funciona o ritmo das plantas, quando elas florescem, quando soltam o fruto, quando as folhas estão saudáveis para serem colhidas, aprender sobre seu período de dormência e os ritmos da natureza. Isso me moveu para vir para São Gonçalo do Rio da Pedras”, relembra Guião. 

Durante mais de uma década, ele assinou uma coluna sobre plantas medicinais na ‘Revista Ecológico”. “Era muita informação compartilhada, mas ali eu tinha apenas 35 linhas para escrever. Até que uma aluna, a Elza Silveira, proprietária da editora Impressões de Minas, sugeriu reunir essas matérias em um livro. Imagina ter liberdade total para ampliar esse conhecimento, remendar, contar várias histórias e oferecer novos olhares. Isso foi fundamental para que eu pudesse me decidir a escrever “Ontem Escutei e Hoje Conto”. 

O livro traz 65 crônicas divididas em quatro estações (primavera, verão, outono, inverno) e mais uma fora do tempo. “Coloco as plantas que estão mais vinculadas a cada estação. Já a estação fora do tempo está recheada de histórias, plantas e situações completamente aleatórias e que poderiam ter acontecido em qualquer época”, comenta o educador. 

Guião me conta que não houve um critério para escolher qual história entraria ou não no livro. “São causos e histórias a perder de vista. Busquei na memória aquelas mais representativas e que tinham mais a ver com meu momento atual. Mostro o modo como as pessoas simples do campo conseguem conviver em harmonia com a natureza. Mas confesso, com dor no coração, que tive que deixar muitas outras histórias de fora. Quem sabe em um segundo livro?”, indaga. 

Pergunto sobre como ocorre a interação das plantas com os humanos. “Essa afinidade pode ser lida de muitas maneiras. A melissa, por exemplo, é uma planta doce, delicada, que tem mel em seu nome, é calmante e ansiolítico. No entanto, as pessoas mais delicadas e sensíveis e que estão ando por situações desafiadoras, terão melhor resposta usando essa planta”, explica Guião.   

E emenda: “Da mesma forma, o mulungu, que é um ansiolítico, é mais indicado para pessoas mais agressivas, reativas. Costumo dizer que são indivíduos aborrecidos, irritados, como o Zangado dos Sete Anões. E qual o motivo dessa correlação? Mulungu é planta cheia de espinhos, você chega perto dela, e ela te manda embora, ela não quer que você fique ali, não quer relação. É preciso observar a personalidade das plantas”. 

AGENDA: O lançamento do livro “Ontem Escutei e Hoje Conto” será no próximo dia 31, a partir das 16h, na rua Bueno Brandão, 80, Santa Tereza. Link para compra: 

Ontem escutei e hoje conto, de Marcos Guião – Impressões de Minas 

 Lançamento

"Ontem Escutei e Hoje Conto”

Marcos Guião

Editora Impressões de Minas

254 páginas

R$ 80.

Dando voz aos raizeiros 

 E o que dizer de Chico da Mata e Maria do Céu, raizeiros, profundos conhecedores das plantas do Cerrado e que se dedicam a cuidar das outras pessoas? “Os dois são personagens criados para que a narrativa pudesse acontecer de forma mais harmoniosa. Chico da Mata é o cara que vai no mato colher as plantas, conhece pra caramba as ervas medicinais, cuida das pessoas e tem uma relação absolutamente intimista com a natureza”, apresenta Marcos Guião. 

Esse cara existe? “Sim, ele representa todos os raizeiros com os quais conversei e convivi. Ele é a voz desse povo e uma das razões de esse livro ter acontecido. Foram ensinamentos que fui ouvindo ao longo da vida, e precisava de uma voz para contar para todo mundo, para personificar essas informações”, comenta o educador. 

Já as histórias femininas ganham voz com Maria do Céu. “Ela é a própria espiritualidade, fala dos partos, do feminino e incorpora a sabedoria de várias mulheres que me ensinaram muito. São conhecimentos importantes que tinham que ser transmitidos”, apresenta Guião. 

E finaliza: “Quero despertar nos leitores o sentimento de irmandade com a natureza. As histórias mostram que atuar em parceria com a natureza é muito melhor do que explorá-la. Esse é o caminho.” (AED

Saboreie um trecho do livro 

“Chico sentou-se na varanda olhando longe, não vendo nada. Dona Linda se acercou e lhe deu a mão. O silêncio dos dois ali juntinhos selou o entendimento de que a dor de perder filho, coisa que não tem nem nome, também não tem remédio do mato que dê jeito. Só mesmo o tempo para trazer assentamento do rebuliço do coração.”