PORTO ALEGRE (RS). Barro, lodo, cheiro de esgoto e ratos mortos compõem o cenário nos bairros de Porto Alegre onde a água está começando a baixar. Moradores e comerciantes tentam, incansavelmente, limpar a sujeira que parece impregnada, de uma água que ficou por mais uma semana parada e deixou casas e lojas submersas na capital do Rio Grande do Sul. Enquanto tentam restaurar a normalidade, eles calculam os prejuízos e temem mais temporais na região.

Essa tem sido a realidade de Rose Mari Noschang, 61 anos, que há duas décadas istra uma escola de educação infantil na Cidade Baixa, um dos bairros atingidos pelos temporais que chegaram à cidade na madrugada do dia 4 de maio. Ela e familiares limpam cadeiras e mesas coloridas, tentam tirar a lama do chão e consertar brinquedos do playground.  

“Vamos limpar toda a escola. Na segunda-feira vou abrir para receber meus clientes. De qualquer jeito. Foi muito barro e lodo, muito fedor, rato morto dentro das pias. Eu preciso atender meus clientes. Se eu não abrir segunda-feira, eu estou quebrada. Meus clientes precisam ser atendidos”, conta Rose enquanto olha para um piso que foi arrancado pela força da água.  

Próximo à escola que atende crianças de 4 meses a 6 anos, está a casa de Cármen Lúcia, 63 anos. Agora, ela só consegue ter o ao local onde mora há 46 anos ando pelo muro do vizinho. Ao subir por uma escada para ultraar o muro, ela conta que a casa está lacrada pela Defesa Civil. O receio é que novas chuvas atinjam o local nos próximos dias.  

 

A menos de 10 minutos dali, no bairro Praia de Belas, a secretária Taís Soares Rodrigues, 45 anos, perdeu a conta ao listar os móveis, eletrodomésticos, roupas, calçadas e outros itens que foram perdidos durante a enchente. Ela e a mãe, que tem 74 anos, estão há três dias tentando limpar a casa, retirando lama das gavetas e armários, levantando móveis derrubados pela força da água, e sendo gratas pela ajuda que recebem.  

Amigos e familiares têm abrigado a família - cada uma, em uma casa diferente. “A gente tem a sorte ainda que muitos amigos estão nos ajudando, fazendo campanha pra gente conseguir ter os móveis de novo, pelo menos os que a gente perdeu pra recomeçar… Olha aqui, o próprio armarinho da pia, a gente foi abrir e ele caiu com tudo, como se fosse um papel assim, rasgou, se desmanchou”, contou ao mostrar a casa para a reportagem de O TEMPO.  

A secretária Taís Soares Rodrigues limpa a entrada do prédio onde mora no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre (RS) - Rodney Costa/O TEMPO

Taís sente a dor de ver tudo que construiu ser perdido num piscar de olhos, mas ainda lembra que há pessoas em situação mais crítica. 

“O cheiro também é muito desagradável, né. Se tu filmar o chão, está todo cheio de lama. E se tu olhar ali as paredes, olha ali a umidade que ficou. E não tinha nada disso, as paredes eram brancas. Por mais que outras pessoas estejam numa situação pior do que a nossa, a nossa dor não diminui porque é muito ruim a sensação de perder. Eu sei que é material, que a gente vai recuperar tudo de novo, mas é uma dor que chega na tua casa, que tu batalhou pra conseguir tudo, e de repente está assim. Mas, enfim…”. 

Além da água, esgoto 

Na Cidade Baixa, comerciantes tentam recuperar suas lojas e ainda pensam que o cenário poderia ser diferente se o sistema de bombas não tivesse sido desligado. Especialistas apontam que essa falha foi crucial para alagamentos em bairros como Centro Histórico, Menino Deus e Cidade Baixa. Se estivessem em pleno funcionamento, poderiam ter drenado as águas, e não transformado casas e comércios em depósito de esgoto. O Ministério Público investiga o caso.

“A questão da chuva, a gente até entende. Mas a cloaca, essa podridão que chegou... Era um dia de sol pujante, nem chovendo estava, e começou a brotar esse esgoto pelas bocas de lodo. Nós não recebemos nenhum aviso prévio. O que se publicizou foi que houve um equívoco de comunicação. E cadê a responsabilização desse equívoco? Tem pessoas competentes para responder pelos impactos dessas decisões”, questiona um servidor da prefeitura que mora na rua da Cidade Baixa e prefere não se identificar por medo de represálias. 

“A gente está tentando lavar, recuperar, mas está difícil. É perda total. Essa água veio do esgoto e inundou a loja mais que na rua, quase. Eles desligaram as bombas e inundaram toda a região. Ninguém precisaria ar por isso, ninguém precisaria sofrer por isso se tivesse manutenção nas bombas e um serviço sério”, desabafa Maíra Andretta Motta, 42 anos, dona de uma loja de móveis. Ela estima que vai ficar mais três semanas limpando o local.  

“Bastante clorofina [água sanitária] para tirar a bactéria, higienizar”, conta Alessandra Conti Brasil, 48 anos, sobre como começou a limpeza em seu gastrobar na Cidade Baixa. "Ainda tem um pouco da água suja que entrou. Nós mesmos que estamos [limpando]. Veio um amigo nosso para ajudar. Ficou mofo. Está tudo mofado. A louça também, que é daquela cristaleira. O prejuízo financeiro é não estar trabalhando e os boletos que estão em aberto. Porque a gente conseguiu retirar os alimentos a tempo, levantar a geladeira.” 

 

Anderson de Amorim Rodrigues e Alessandra Conti Brasil são donos de um gastrobar na Cidade Baixa, em Porto Alegre (RS)

Ela cuida do local com o marido, Anderson de Amorim Rodrigues, 44 anos. O salão do bar, onde ficavam as mesas para os clientes, agora está com armários e louças empilhadas, além de uma geladeira que tentam limpar. No banheiro dos clientes, ela conta que a água transbordou pelo vaso sanitário. A bicicleta que usam para fazer entregas ficou enferrujada. Uma outra geladeira que conseguiram colocar sobre engradados na cozinha, também foi afetada. 

"A gente teve mais ou menos umas quatro horas pra poder tirar tudo o que a gente conseguiu”, lembra. “Essa estante, só para ter uma ideia, ela estava em cima daquele latão amarelo. Quando a gente abriu a porta depois de dias, o latão estava no meio do salão e a estante, caída”. “Tem que arrumar tudo, ver o que precisa comprar. Assim que voltar a luz, a gente quer retornar o mais breve possível”, estima. 

Outro medo comum no local é com doenças. “Tomamos medicações por causa da leptospirose, e tudo isso até porque eu estava no resgate também do pessoal no bairro onde eu resido, o Menino Deus. Então, eu tive que tomar uma medicação referente a essas doenças que estão ocasionando tudo isso”, explica Anderson.