MEMÓRIA

Conheça o Palácio d' Ouro, novo centro cultural de Ouro Preto, que mescla história, arte e natureza

Espaço proporciona experiência sensorial única aos visitantes em um complexo arquitetônico de 220 mil metros quadrados

Por Ana Clara Brant
Atualizado em 27 de maio de 2025 | 15:51

OURO PRETO - O ouro é um metal nobre, brilhante, levemente amarelo-alaranjado. Já foi utilizado como moeda em vários momentos da história, inclusive, no Brasil, e é reserva de valor em alguns países. Para os astecas, ele era considerado tão sagrado e precioso que o chamavam de “suor do Sol”. Pois o ouro não só dá nome, como é o fio condutor de um novo espaço cultural de uma cidade que foi construída e ganhou fama justamente por conta dele. 


O Palácio d’Ouro, centro cultural recém-inaugurado em Ouro Preto, é um complexo arquitetônico do século XVIII de 220 mil metros quadrados, que reúne jardins, 5 nascentes, 60 minas, mirantes com uma vista privilegiada da antiga Vila Rica, senzalas, seteiras (espaços para a proteção da casa principal, caso sofresse um ataque), além de edificações históricas com um acervo riquíssimo reunido ao longo de mais de 70 anos com peças dos séculos XVIII e XIX, que remontam ao nascimento do município.

 

Uma das edificações do Palácio d’Ouro. Foto: Léo Mendes/O TEMPO

 


Desde a sua fundação em 1705, a construção - conhecida como Casarão das Lajes, por conta do bairro onde está localizada - serviu de residência para importantes personalidades do ado como o Visconde de Caeté e o Barão de Saramenha, até que foi adquirida, em 2008, pelo ouro-pretano José Lucas de Toledo. 


A neta dele, a museóloga Anna Maria Toledo conta que o sonho da família de transformar o espaço em um centro cultural começou a ganhar forma a partir dali. Além de sapateiro e pedreiro, José Lucas também garimpava móveis e artefatos dos séculos XVIII e XIX para vender aos turistas que vinham à cidade histórica e chegou a trabalhar no Casarão. “O meu avô prestava serviço de limpeza e manutenção para a antiga proprietária, e ela começou a colecionar móveis, objetos antigos. E meu avô ou a ajudá-la nesse sentido também e a se interessar por antiguidades. E dali ele não parou mais e abriu um antiquário na casa dele”, relata.

Capela de Nossa Senhora das Dores. Foto: Ana Clara Brant/O TEMPO

 

 


Ao longo dos anos, o patriarca dos Toledo foi prosperando e acumulando um acervo grande e significativo de verdadeiras raridades. “O acervo a gente já tinha, mas faltava um lugar para expor. Quando conseguimos comprar o casarão em 2008, era necessário fazer uma ampla, complexa e minuciosa restauração desse espaço que estava bem deteriorado. Todo o processo levou 15 anos. Quando ficou tudo pronto no começo de 2023, abrimos as portas ao público para visitação e inauguramos o Palácio d’Ouro”, destaca Anna Toledo, ao lado do pai Edson de Toledo, é diretora, proprietária e idealizadora do espaço.

Um dos quartos da casa principal do Palácio d'Ouro. Foto: Rayllan Oliveira/ OTEMPO

 


O nome, aliás, se deve justamente ao fato da casa ter toda essa pompa de um palácio e de ser uma estrutura fortificada. “A gente tem essa diferença de palácio, que é o que fica em área urbana; já o castelo fica em área rural. Então, o nome ‘palácio’ se encaixou muito bem nesse espaço urbano de Ouro Preto por conta de sua estrutura e por ter sido residência de vários nobres. E, para além disso, a gente vai ter também o ‘d’ouro’, por conta da mineração que aconteceu aqui, além do próprio nome da cidade, Ouro Preto. E foi assim que surgiu o Palácio d’Ouro”, explica. 

 

Vista da cidade de Ouro Preto. Foto: Ana Clara Brant/OTEMPO

 


A visita à casa principal - com ambientes que preservam características originais do Ciclo do Ouro como a belíssima capela de Nossa Senhora das Dores, cozinha, salas e quartos - é uma viagem ao ado. A ideia da família Toledo é que o espaço seja mais do que um mero museu, mas um local que proporcione experiências diferentes e sensoriais aos convidados. “A gente vai ter cheirinhos diferentes em cada ambiente, músicas e sons diferentes, seja na parte interna ou externa. Buscamos durante as visitações sempre trabalhar esses sentidos, seja o olfato, o tato, a audição, para valorizar ainda mais essa experiência”, frisa Anna.

 

Por isso, eles fazem questão de que todas as visitas sejam guiadas para que o público possa mergulhar literalmente na história. “Uma coisa que me incomoda um pouco em museus mais tradicionais é exatamente essa questão de que , às vezes, você a por uma obra, tira a foto da legenda para ver depois em casa. E você perde totalmente o sentido da experiência daquele momento que aquela obra vai proporcionar. Então, aqui no Palácio, a gente busca sempre estar conversando, dialogando com os nossos visitantes, justamente para que eles consigam viver a experiência in loco”, ressalta.   

Todo o projeto do Centro Cultural Palácio d’Ouro é custeado pela família Toledo. No entanto, eles estão em busca de patrocínio para ajudar na manutenção. “A gente mantém aqui por conta do amor pela arte, pela cultura, pela memória e pela história que a nossa família carrega há décadas. Temos um antiquário na cidade que é o que nos ajuda a custear o Palácio, por isso seria tão importante contar com um colaborador”, anseia o historiador José Lucas de Toledo Neto, outro membro da família que comanda o empreendimento. 

 

Mina que fica no complexo do Palácio d'ouro. Foto: Rayllan Oliveira/O TEMPO

 

 

Origem 

Uma curiosidade é que durante o longo processo de restauração do Palácio d'Ouro foi encontrada em uma das edificações uma placa datada de 1681. “E isso é muito interessante, porque ela é 17 anos antes da fundação de Ouro Preto, que é de 1698. Então muda toda essa perspectiva que a gente tem da formação da cidade de Ouro Preto e leva a crer que é a primeira edificação da cidade que se tem notícia. Por isso, mais do que trazer turistas, também é importante fazer com que a própria população de Ouro Preto conheça e viva a história da cidade”, salienta a  museóloga Anna Maria Toledo.

Placa datada de 1681 encontrada durante o processo de restauração. Foto: Ana Clara Brant/O TEMPO

 


“Fragmentos do Todo”

O Palácio d’Ouro ainda é palco de eventos culturais, como lançamentos de livros e  exposições de arte, como  a mostra “Fragmentos do Todo”, do artista plástico Luiz Pêgo, em cartaz a partir desta segunda (26). Sua obra ressignifica ícones da história da arte com uma identidade mineira e contemporânea. “Essa pequena mostra traz um pouquinho da história da minha pintura, um pouquinho de cada época. Trabalhos que fiz há 10, 15 anos atrás e também trabalhos mais recentes. Não tem uma linha certa da exposição, com começo, meio e  fim, mas são fragmentos de cada época”, esclarece Luiz Pêgo. 

 

 


As telas e desenhos trazem personagens importantes da cultura da Gerais de vários períodos como Marília de Dirceu, Carlos Drummond de Andrade e Milton Nascimento. Falando em Bituca, destaque para o grafite sobre o papel “Travessia” (música de Milton e Fernando Brant), com direito ao próprio músico, além de Manuelzão e Miguilim e o escritor Guimarães Rosa. Outra obra interessante é a  “Santa Ceia Mineira”, em que a tradicional mesa de Cristo e seus apóstolos ganha elementos locais — torresmo, queijo, cachaça, uma cabaça e o majestoso Pico do Itacolomi, símbolo dos bandeirantes durante o Ciclo do Ouro.

 

Obra de Luiz Pêgo que celebra Milton Nascimento está na exposição do Palácio d'Ouro até 29 de junho. Foto: Rayllan Oliveira/OTEMPO

 


Pêgo celebra o fato de estar apresentando seu ofício em um espaço que tem tudo a ver com a arte, a cultura e a história. “Expor nesse lugar que carrega muito de Minas Gerais, que é o Palácio d’Ouro, é um sonho para todo mundo. Apesar de eu ser de Belo Horizonte, Ouro Preto sempre fez parte da minha vida, seja pessoal ou profissional”, comenta.  “Fragmentos do Todo” tem curadoria da própria Anna Maria Toledo e de de David Faria, advogado criminal de formação,  empresário, artista e chef.  

 

 

Fernando Pacheco 


A alguns metros do Palácio d'Ouro, a Casa Torta - localizada no centro de Ouro Preto e conhecida assim por sua peculiar fachada inclinada -  abre suas portas nesta terça (27) para a exposição "Alguma P-Arte de Mim", do artista plástico Fernando Pacheco. A mostra - também com curadoria de Anna Maria Toledo e Davi Faria -  de caráter intimista e conceitual, oferece um pequeno recorte da vasta produção deste mineiro de São João del-rei ao longo de seus mais de 50 anos de trajetória, convidando o público a um diálogo com a própria fantasia.

 

Objeto-Pintura, do artista Fernando Pacheco, em exposição em Ouro Preto. Foto: Ana Clara Brant/OTEMPO

 


Segundo Pacheco, a exposição é composta por uma variedade de técnicas e es que refletem sua inquietação e profundidade. O público poderá apreciar pinturas em tela e papel, além de obras mais conceituais. Destaca-se a série "Mensagem", composta por objeto-pintura-conceito em garrafas de vidro. "São trabalhos que questionam esse nosso mundo de internet e WhatsApps. Nessa minha série, a mensagem é poética e visual, através da pintura na garrafa, que remete às antigas mensagens colocadas e lacradas em garrafas e jogadas ao mar”, explica.


"Alguma P-Arte de Mim" ainda traz o "Objeto-Pintura", uma pintura em ovos de avestruz, que, conceitualmente, aborda o ciclo da vida, o nascer e o morrer. "Como o próprio nome da exposição sugere, trata-se de uma pequena mostra, bem intimista, que apresenta um pequeno recorte de minha vasta produção", reforça o artista, que descreve a exposição como "minimalista, mas conceitualmente muito interessante", diz Pacheco.


Raízes 

Natural de São João del-Rei, Fernando Pacheco reconhece a influência seminal do barroco em sua obra. "Pela cor, pelo desenho, pelo expressionismo das formas. Um expressionismo genuinamente mineiro, 'caipira'", descreve. Elementos como os mistérios, a religiosidade, a fantasia, os segredos e o Carnaval, que marcaram seu imaginário infantil, são valores compartilhados tanto por sua terra natal quanto por Ouro Preto. "Portanto, Ouro Preto é uma grande e especial moldura para essa pequena mostra 'Alguma P-Arte de Mim'", conclui.


A realização da exposição na antiga Vila Rica conta com a organização do empresário, chef e designer David Faria, uma conexão que se iniciou de forma curiosa. Pacheco relata ter conhecido Faria através da artista Yara Tupynambá. "Na oportunidade, ele me disse que a Yara havia feito uma pintura em minha homenagem e gostaria de me ofertar", recorda. O encontro na casa de Yara fortaleceu os laços, levando Pacheco a realizar uma exposição da série "Comer com os Olhos" no restaurante de Faria, o Ajê Bistrô, que fica no charmoso bairro de Santa Tereza, na região Leste de BH.

 

Casa Torta em Ouro Preto recebe uma pequena mostra de Fernando Pacheco. Foto: Ana Clara Brant/OTEMPO

 


A partir daí, David Faria interessou-se em auxiliar o Atelier Fernando Pacheco na expansão de relações institucionais e na execução de projetos. "Essa é uma mostra totalmente organizada pelo David (que é um dos curadores ao lado da museóloga Anna Maria Toledo), cujas obras já constavam em seu bistrô e para minha alegria ele as organizou em exposição nesta simpática e histórica Casa Torta”, celebra Fernando Pacheco.


O artista plástico frisa que "Alguma P-Arte de Mim" é mais do que uma simples exibição de obras; é um convite a uma experiência particular e que foi especialmente montada para a intimista sala da Casa Torta, em Ouro Preto. “Essa mostra pertence exclusivamente a esse momento, a esse espaço, à essa história. Em BH, será outra estória”, crava.

 

 

SERVIÇO


O quê: Exposição “Fragmentos do Todo”m de Luiz Pêgo

Onde: Palácio d’Ouro (rua Conselheiro Quintiliano, 627, bairro Lajes, Ouro Preto (MG)

Quando: Em cartaz até 29 de junho, todos os dias, das 9h30 às 16h30

Quanto: Entrada gratuita

 

O quê: Exposição: “Alguma P-arte de Mim”, de Fernando Pacheco

Quando: Em cartaz até 27 de junho, de sexta a segunda, das 10h às 18h. 

Onde: Espaço Cultural Casa Torta (rua Getúlio Vargas, 133, Rosário, Ouro Preto (MG)

Quanto: Entrada gratuita


SERVIÇO

O quê: Palácio d’Ouro

Quando: Todos os dias, das 9h às 16h30.

Onde: Rua Conselheiro Quintiliano, 627, Lajes, Ouro Preto

Ingressos: A partir de R$ 50. Vendas pelo Sympla 

Informações: (31) 3350-4991


*A jornalista viajou a convite do Palácio d’Ouro