BRASÍLIA - Os generais Walter Braga Netto e Augusto Heleno assumiriam um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise” para o gerenciamento de conflitos institucionais originados após ações desencadeadas por militares para impedir as posses do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e do seu vice, Geraldo Alckmin (PSB). É o que diz a Polícia Federal (PF), baseada em investigação que teria interceptado um plano de atentado contra o Estado.
Batizado de “Punhal Verde Amarelo”, o plano incluía os assassinato de Lula, Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Diante do impacto de tal ação, seria criado o gabinete de crise. Foram sugeridos os nomes de Braga Netto – ex-ministro da Defesa no governo de Bolsonaro e candidato a vice do ex-presidente na chapa derrotada por Lula em 2022 – e Augusto Heleno – ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da gestão Bolsonaro.
“O objetivo do grupo criminoso era não apenas ‘neutralizar’ o ministro Alexandre de Moraes, mas também extinguir a chapa presidencial vencedora, mediante o assassinato do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, conforme disposto no planejamento operacional denominado ‘Punhal Verde Amarelo’, elaborado pelo general Mário Fernandes”, afirma a PF. A ação seria desencadeada em 15 de dezembro de 2022, duas semanas antes da posse de Lula e Alckmin.
General reformado, Mário Fernandes é um dos cinco presos na operação desta terça-feira. Ele foi secretário executivo da Presidência da República no governo Bolsonaro e assessor do ex-ministro e deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) – ficou lotado no gabinete de Pazuello, que também é general do Exército, entre março de 2023 e março de 2024.
As informações sobre o suposto plano constam em relatório da PF que resultou na operação deflagrada na manhã desta terça-feira (19) e prendeu quatro oficiais do Exército e um policial federal.
O relatório apresentado para pedir os mandados usados na “Operação Contragolpe” foi tornado público pelo STF ainda nesta terça, após as prisões dos suspeitos. Os detalhes da investigação levaram a Procuradoria-Geral da República (PGR) a endossar os pedidos concedidos pelo Supremo.
O general Mário Fernandes é apontado como arquiteto do suposto plano. A PF encontrou o documento “Punhal Verde Amarelo” em um HD externo do oficial. O documento foi impresso por ele no Palácio do Planalto em 9 de novembro de 2022, sendo levado ao Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência, então ocupada por Bolsonaro.
Nesse documento consta a informação sobre uma minuta de instituição de um Gabinete Institucional de Gestão da Crise, que seria assinada por Bolsonaro. “Conforme se observa, O GENERAL HELENO seria o chefe de gabinete, tendo como coordenador-geral o GENERAL BRAGA NETTO. Logo abaixo dos dois mais importantes, o próprio GENERAL MARIO e o CORONEL ELCIO fariam parte da assessoria estratégica”, diz o relatório da PF, com os nomes em caixa alta.
O mesmo documento traz os nomes de outros militares de menor patente que fariam parte do gabinete. Também define a finalidade do gabinete, as referências legais, a missão, o objetivo, as diretrizes e, por fim, a estrutura organizacional. “O arquivo referente a esse documento tem data de criação em 16 de dezembro de 2022, às 10h43, e modificação no mesmo dia, às 14h06. O último autor é Mário Fernandes’. A data de ativação do gabinete consta como 16/12/2022’, destaca o relatório da PF.
Composição do Gabinete Institucional de Gestão da Crise, conforme a PF:
A minuta também lista outros nomes que ocupariam cargos no gabinete, incluindo militares, policiais e civis:
Militares das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos” usaram carros da corporação para monitorar Alexandre de Moraes. A intenção era sequestrá-lo e matá-lo envenenado ou com tiros e até bombas. Essas informações também estão no documento “Punhal Verde Amarelo”, segundo a PF.
Os “kids pretos” assim são conhecidos por causa das balaclavas de cor preta que costumam usar. Eles são altamente treinados com técnicas de ações de sabotagem e incentivo à insurgência popular. Essas ações são descritas pelo Exército como “operações de guerra irregular”. “Qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora, de qualquer maneira” é o lema dos “kids pretos”.
A PF concluiu que o “Punhal Verde Amarelo” era um plano terrorista a ser executado por “kids pretos” para ass Lula, Alckmin e Moraes e consolidar um golpe de Estado. O planejamento detalha os recursos humanos e bélicos necessários para o desencadeamento das ações, com uso de técnicas operacionais militares avançadas.
Confira a seguir, o a o, o plano “Punhal Verde Amarelo”. Ela envolveria uma outra operação, batizada de “Copa 2022”, e que teria recursos de R$ 100 mil apenas para o sequestro e execução de Moraes:
“Ou seja, claramente para os investigados a morte não só do ministro, mas também de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era issível para cumprimento da missão de ‘neutralizar’ o denominado ‘centro de gravidade’, que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe de Estado”, diz a PF em trecho do relatório a Moraes.
“Para execução do presidente Lula, o documento [plano 'Punhal Verde Amarelo'] descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”, diz a PF.
No planejamento, os alvos da PF chamavam Lula pelo codinome de “Jeca” e Alckmin por “Joca”. Não há detalhamento sobre como seria o homicídio de Alckmin, mas uma citação aponta que “sua neutralização extinguiria a chapa vencedora”, como era o objetivo dos militares.
Leia abaixo outros pontos dos supostos planos apresentados pela PF ao STF e à PGR:
Em delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid, que era ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, disse, em depoimento à PF, que o ex-presidente fez reuniões no Palácio da Alvorada para consultar integrantes da Marinha e das Forças Armadas sobre a possibilidade de concluir o plano.
A operação desta terça é fruto da investigação do inquérito que apura a sequência de atos promovidos ao longo do processo eleitoral de 2022, e que culminaram nos atos de 8 de janeiro de 2023. Os militares alvos da operação desta terça já eram investigados no inquérito aberto após a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Confira quem são os cinco presos nesta terça pela PF:
A operação desta terça-feira é fruto de investigação do inquérito que apura a sequência de atos promovidos ao longo do processo eleitoral de 2022, e que culminaram nos atos de 8 de janeiro de 2023. Os militares alvos da operação já eram investigados no inquérito aberto após a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Nas investigações sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, a PF identificou kids pretos, com botas militares e calças camufladas, participando das invasões às sedes dos Três Poderes. Um deles, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, chegou a fazer vídeo em frente ao Palácio do Planalto, em meio à invasão e depredação do prédio que é a sede do Poder Executivo.
O general narrou o cenário, dizendo que estava “arrepiado”. Ridauto foi alvo da 18ª fase da operação Lesa Pátria, desencadeada em 29 de setembro de 2023. Ele não está entre os alvos desta quinta-feira.
Já na reserva do Exército, Ridauto Lúcio Fernandes ocupou cargos importantes no governo de Jair Bolsonaro. Ele trabalhou com o ex-ajudante de ordens do então presidente, o tenente-coronel Mauro Cid, que, após ser preso, fechou um acordo de delação premiada com a PF para responder processos em liberdade, mediante uma série de restrições.
Ao lado de Cid, o ex-general trabalhou no Comando de Operações Especiais do Exército, em Goiânia. Ele também foi encarregado das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na região metropolitana de Natal e em Mossoró, no Rio Grande do Norte. O general visitou Cid na prisão e disse, ao jornal “Folha de S. Paulo”, que a visita teve motivação “pessoal” e que seu objetivo era “ver se poderia ajudar em algo”.
Investigação da PF sobre o 8 de janeiro mostra que o suposto plano para derrubar Lula por meio de uma intervenção militar incluía o acionamento do Comando de Operações Especiais do Exército, em Goiânia, para efetivar a intervenção militar federal, com a volta de Bolsonaro ao Planalto.
Em outra operação, deflagrada em fevereiro, a PF apontou Mauro Cid e outros seis oficiais do Exército como integrantes do “núcleo operacional” da suposta “organização criminosa” que pretendia impedir a posse de Lula, com prisão de ministros do STF. Na ocasião, além dos militares, foram alvos da operação Jair Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
Segundo a PF, os oficiais comandados por Cid integravam os “kids pretos”. No caso do plano para impedir a posse de Lula, Cid e seus colegas eram encarregados de “reuniões de planejamento e execuções de medidas”, além de “logística e financiamento” para manutenção dos acampamentos de apoiadores de Bolsonaro em frente a quartéis do Exército, onde a intervenção militar era a principal bandeira.
Para apontar Cid e outros oficiais como responsáveis pelo “núcleo operacional” do plano de golpe de Estado, a PF apresentou à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao STF troca de mensagens de áudio e textos recuperados por peritos com autorização judicial.
Os investigadores citam uma reunião entre o coronel Bernardo Romão Corrêa Netto, então ajudante de ordens de Bolsonaro, com oficiais com formação para integrar as forças especiais. O encontro aconteceu na noite de 28 de novembro de 2022, em Brasília.
Essa reunião resultou, ainda de acordo com a PF, em uma carta assinada por oficiais e endereçada ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, que pedia a adesão dele ao plano. Gomes não cedeu à pressão desses militares nem de outros.
Por isso, foi chamado de “cagão” por Braga Netto, então ministro da Defesa, que também apoiou “oferecer a cabeça dele aos leões”, conforme provas anexadas pela PF ao relatório em que pediu autorização para cumprimento de buscas, apreensões e prisões nesta quinta-feira.
Os investigadores souberam dessa reunião em Brasília por meio de diálogos que estavam arquivados no telefone celular de Mauro Cid, apreendido pela PF – ele foi preso por causa da falsificação de comprovantes de vacina contra Covid-19 e é investigado em outros inquéritos, como o que desencadeou a operação desta quinta e o que trata das joias da Arábia Saudita que Bolsonaro não entregou ao patrimônio da União.
Mauro Cid foi intimado a depor novamente, nesta terça-feira. A PF recuperou dados que haviam sido apagados em computadores dele. Ou seja, é forte a suspeita que Cid escondeu informações relevantes dos investigadores. Com isso, ele corre o risco de perder os benefícios da delação premiada.