Guerra de palavras

Lula chama embaixador em Israel de volta ao Brasil e amplia crise diplomática

Mais cedo, o diplomata foi convocado por autoridades israelenses para falar sobre o fato de o chefe do Executivo brasileiro ter comparado a ofensiva israelense ao Holocausto

Por Renato Alves
Publicado em 19 de fevereiro de 2024 | 15:03

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu nesta segunda-feira (19) chamar de volta ao Brasil o embaixador brasileiro em Israel, Frederico Meyer. Mais cedo, o diplomata foi convocado por autoridades israelenses para dar explicações sobre o fato de o chefe do Executivo brasileiro ter comparado a ofensiva israelense na Faixa de Gaza com o extermínio de judeus feito pela Alemanha Nazista no regime de Adolf Hitler, de 1933 a 1945. 

“O que está acontecendo em Gaza não aconteceu em nenhum outro momento histórico, só quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula em coletiva de imprensa no domingo (18), em Adis Abeba, capital da Etiópia. O presidente brasileiro também criticou Israel ao afirmar que Tel-Aviv não obedece a nenhuma decisão da ONU e afirmou que defende a criação de um Estado palestino.

Para Lula, o conflito “não é uma guerra entre soldados e soldados, é uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças”, afirmou. “Não é uma guerra, é um genocídio”, completou o presidente brasileiro.

Em resposta, ao lado de Frederico Meyer, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, disse na manhã desta segunda-feira que o presidente brasileiro é “persona non grata”. “Ele é persona non grata no Estado de Israel, enquanto não se retratar por suas declarações e pedir desculpas”, afirmou o chanceler israelense. 

Ele se reuniu com Meyer no centro memorial do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. O local é totalmente fora dos padrões diplomáticos. Esse tipo de encontro geralmente é feito a portas fechadas, na sede do Ministério das Relações Exteriores do país onde o diplomata estrangeiro serve. 

Analistas internacionais dizem que Israel constrangeu o governo brasileiro. Diplomatas brasileiros falam em “circo” por parte do governo israelense. Para integrantes do Itamaraty, houve, no mínimo, uma exposição desnecessária do embaixador. O certo é que a desocupação do posto em Tel Aviv, com a volta do embaixador ao Brasil, agrava o ime diplomático entre Brasil e Israel.

Comunidade judaica no Brasil também reage

As declarações de Lula no domingo resultaram em notas de repudio da comunidade judaica brasileira e de entidades especializadas que trabalham com a memória do Holocausto – 120 mil brasileiros se identificam como judeus no Brasil, a segunda maior comunidade judaica da América Latina, atrás apenas da Argentina. 

Em nota, o Museu do Holocausto do Brasil, com sede em Curitiba, destacou que existe uma seletividade cruel de se comparar Israel, Estado judeu criado em 1948 após o extermínio de 6 milhões de judeus no Holocausto, com o regime de Adolf Hitler. Para o museu, ao fazer esta declaração, Lula não atinge apenas Israel, mas todos os judeus.

“Ao utilizar de forma deliberada a memória do Holocausto num viés deturpado e negacionista para criticar especificamente Israel (e nenhum outro país ou ator político, em qualquer outro contexto), o presidente opta por adotar um tom ofensivo contra seus concidadãos, judeus brasileiros”, aponta a entidade. 

A nota divulgada no domingo, destaca que o ato de criticar Israel nos mesmos termos que se critica qualquer outro país não é antissemita. “Este não parece, entretanto, o método de análise e parecer do governo brasileiro e dos nomes que o circundam”, aponta o Museu do Holocausto.

A declaração da entidade termina destacando que as declarações de Lula ocorrem em um momento de aumento do antissemitismo no Brasil no contexto da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

“Esperávamos que o presidente da República compreendesse a perversidade de declarações como essa e amenizasse esta forma de racismo dentro do seu próprio país. Racismo e antissemitismo caminham juntos, com os mesmos pressupostos e as mesmas bases. Combatê-los é uma necessidade diária e inerente a todos nós, e uma das formas é criar pontes e canais de diálogo. E o Museu do Holocausto sempre se apresentou como um interlocutor”.