Além de convidar formalmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sua posse em 10 de dezembro, Javier Milei tem dado claros sinais no recuo sobre a retirada da Argentina do Mercosul. Os ataques raivosos da campanha deram lugar a palavras sutis e até elogios ao brasileiro e ao bloco comercial.
Durante sua vitoriosa campanha, Milei atacou Lula de várias formas e garantiu que jamais falaria com o brasileiro, nem faria negócio com o Brasil, por ser governado por um “esquerdista”, “ladrão” e “comunista”, segundo ele. Também afirmou, diversas vezes, que o Mercosul tinha que ser “eliminado” porque faria “muito mal” aos “cidadãos de bem da Argentina”.
Em reunião com o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, neste domingo (26), a futura chanceler da Argentina, Diana Mondino, entregou o convite para Lula ir à posse de Milei e sinalizou positivamente sobre o apoio de seu país à finalização do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE).
“Antes que me perguntem, estamos conversando sobre a importância que tem de o Mercosul quanto antes. Mercosul-União Europeia e eventualmente com outros países, como Singapura”, afirmou a indicada de Milei após o encontro com Mauro Vieira.
A presidência do governo brasileiro no Mercosul vai até 7 de dezembro, três dias antes da posse de Milei. O novo presidente já defendeu a saída da Argentina do bloco econômico durante a campanha, mas recuou da ideia e ou a defender apenas mudanças. O Mercosul reúne também Uruguai e Paraguai.
Um dos acordos que está sendo negociado pela presidência brasileira é com a União Europeia. Aprovado em 2019, após 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-UE precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos dois blocos para entrar em vigor. A negociação envolve 31 países.
Futura chanceler diz não ter certeza da Argentina no Brics
Deputada eleita e chanceler designada por Milei, Modino disse que Brasil e Argentina são irmãos e continuarão sendo depois que o presidente eleito tomar posse. “Temos que trabalhar muito juntos para que os dois países cresçam”, ressaltou.
Modino disse, no entanto, que não tem certeza sobre a necessidade de seu país integrar o Brics, num acordo acertado durante o governo de Alberto Fernandez. O Brics é formado atualmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e deverá ser ampliado para 11 membros a partir de 2024 – a previsão era que a Argentina fosse um dos novos membros.
“Não tenho ideia de como a Argentina vai participar dos Brics”, disse a futura chanceler. “Com todos os problemas econômicos que temos na Argentina, não entendo qual vantagem teríamos de entrar (no bloco). Claro que, se tivermos, vamos participar”, completou.
Mauro Vieira diz que o que vale são as manifestações formais
Na mesma entrevista coletiva, logo após a fala de Modino, Mauro Vieira avaliou como “produtiva” a reunião com a deputada argentina eleita. O chanceler brasileiro destacou que, a despeito de possíveis falas críticas ao Mercosul, o que vale são as manifestações formais e que há desejo dos dois países em fazer o bloco avançar.
“Conversamos, por exemplo, sobre a possibilidade dos corredores bioceânicos, falamos das negociações externas do Mercosul, falamos também sobre a ampliação e aprofundamento das decisões do Mercosul, tema em que temos coincidência, porque queremos um Mercosul maior e melhor para beneficiar a integração regional”, declarou o ministro.
“Eu indiquei a ela em que áreas, durante essa presidência brasileira do Mercosul, que se encerra agora, e com que outros países e outras regiões estamos negociando. Ela manifestou a satisfação em saber. Para mim o que vale é isso. Nós vamos trabalhar juntos com este governo até o final do mandato e depois com o novo governo, sabendo que há esse desejo de avançar no Mercosul”, completou.
Sobre o convite de Milei para Lula, o ministro disse ainda que não teve oportunidade de que presença do brasileiro na posse está sendo avaliada. “O que foi dito durante a campanha é uma coisa, o que acontece durante o governo é outra. Eu não sei qual será, como eu disse, se o presidente poderá ir ou não. Ele estará chegando de uma longa visita ao exterior e terá a cúpula do Mercosul no Brasil”, justificou.
“Não há nenhum tipo de problema, de constrangimento, por qualquer natureza que seja. Os governos organizam as listas de convidados, mandam e os que quiserem aceitam, os que não quiserem não aceitam, mas também há um tratamento diferente para chefes de estado e para convidados diretos”, emendou Vieira.
Vieira reforçou os longos e fortes laços de relação diplomática entre os dois países, os quais transcenderam governos. “O que eu posso dizer é que existe entre o Brasil e a Argentina uma relação muito forte, muito importante, que foi inclusive criada a partir dos entendimentos na década de 80 entre o presidente [José] Sarney e o presidente [Raúl] Alfonsín, que construíram toda a base dessa grande cooperação.”
Entre os setores de cooperação, ele destacou energia nuclear, ciência e tecnologia, informática, comércio, indústria e investimentos. “Tudo isso existe e é muito importante. O presidente Lula tem dito que o importante é o interesse nacional e o projeto nacional”, reforçou.
Sobre a entrada da Argentina nos Brics, bloco que reúne nações em desenvolvimento, como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o ministro apontou que é de interesse do Brasil a entrada do país, mas que cabe ao novo governo avaliar. “O governo argentino, na ocasião, era candidato e o Brasil apoiou, porque é uma iniciativa de interesse do Brasil. É também uma questão de equilíbrio da representação geográfica no Brics e, evidentemente, sendo a Argentina um sócio importante do Brasil.”