BRASÍLIA - Ex-diretor do Ministério dos Direitos Humanos, o sociólogo Leonardo Pinho, disse que pediu demissão do órgão após ter sido vítima de uma série de episódios de assédio moral por parte do então ministro Silvio Almeida ao longo de 2023.
Advogado, Almeida foi tirado do cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva depois que o colunista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, publicou reportagem sobre acusações de assédio sexual contra o ministro, em 5 de setembro. Almeida nega as denúncias.
Amado revelou nesta quinta-feira (12) que Pinho colaborou com a apuração da reportagem, sob anonimato. Mas, depois, aceitou dar uma longa entrevista, que o colunista publicou nesta quinta. O denunciante é candidato a prefeito em Valinhos (SP), como Léo Pinho, pelo PT.
Pinho contou que se aproximou de Almeida durante a transição de governo. Pinho acabou convidado para assumir a Diretoria de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua, no Ministério dos Direitos Humanos.
Mas, já nos primeiros meses, a relação entre ambos azedou. Pinho disse que Almeida reagiu muito mal sempre que era questionado sobre alguma medida. A situação escalou a ponto de, segundo ele, Almeida ter ado a gritar, xingar e bater no próprio peito e na mesa enquanto se dirigia a seu subordinado.
‘Você está insinuando o quê? Sou ministro de Estado, você é um m*’
Pinho contou que um dos dias em que Almeida teria tido uma reação do tipo foi quando, numa reunião em outubro de 2023, levou ao ministro queixas que ouvia no Ministério da Igualdade Racial, com quem tinha reuniões de trabalho, sobre a relação ruim entre o ministro e Anielle Franco.
“Nessa conversa, eu disse: ‘A gente também precisa melhorar a relação com os ministérios, com a Anielle’, porque eu havia recebido relatos de dificuldade na relação do Silvio com a Anielle. Imaginei que era assédio moral, por causa da subordinação orçamentária da Igualdade Racial aos Direitos Humanos. A Anielle dependia do Silvio em termos de orçamento para tudo, até para agens aéreas”, relatou Pinho.
“Mas o ministro ficou descontrolado, transtornado, quando mencionei a Anielle. Me falou: ‘Você está insinuando o quê? Sou ministro de Estado, você é um merda’. Fiquei sem entender e tive medo de ele me agredir. Ele também disse, em relação ao meu trabalho no ministério: ‘Eu vou acabar com a sua vida, você não vai mais existir’. Saí da reunião, liguei para minha esposa e chorei. Tive problemas de saúde por causa dessa situação, pressão alta, diabetes, ganhei peso. Eu já estava decepcionado com ele, mas ali fiquei com medo. Era uma pessoa de envergadura, que foi sócio de escritórios importantes de advocacia”, completou o ex-diretor.
Cinco meses antes, em maio daquele ano, segundo relato de Anielle a outros ministros, Silvio Almeida teria ado a mão em sua perna por baixo da mesa, em uma reunião no Ministério da Igualdade Racial. O que foi tornado público na semana ada.
Ordem para gravar reuniões de forma clandestina
Na entrevista, Pinho também citou outros supostos episódios de assédio moral de Silvio Almeida: “O ministro me chamou para o gabinete dele, me disse que eu era incompetente e uma vergonha. Deu murros na mesa, bateu no próprio peito, foi agressivo, gritou, levantou da cadeira dele e veio do meu lado, a uns 20 centímetros, para me intimidar. Pensei que ele ia me agredir, me dar um soco”.
Pinho contou ainda que o ministro ordenou que ele gravasse escondido reuniões internas do Conselho Nacional de Direitos Humanos, com pessoas de outros ministérios.
“No meio de 2023, o ministro me chamou para o gabinete dele. Me pediu para eu gravar escondido reuniões internas do Conselho Nacional de Direitos Humanos, com pessoas de outros ministérios. Ele queria saber os detalhes da elaboração das pautas das reuniões e também das críticas ao ministério”, relatou o ex-diretor.
“Eu respondi que o CNDH não era de governo, mas de Estado, e que não gravaria ninguém. ‘Você é meu funcionário, vai fazer’, disse. Respondi: ‘Não vou fazer, e você tem um instrumento simples, a exoneração, se achar que estou deixando a desejar’. Aí ele desconversou. Isso me soou um alerta. Ele é PhD em direito, professor, sabe de lei, sabia o que estava fazendo. A partir daí, isso foi se avolumando. Comecei a perceber que o que ele queria não era uma relação de gestor público, mas uma fidelidade de gângster para defendê-lo a todo custo, algo pessoal. E o Estado é impessoal”, prosseguiu Pinho.
Ex-diretor diz ter recebido uma ligação em tom de ameaça
Leonardo Pinho já havia sido procurado por Guilherme Amado para uma entrevista, mas segundo o colunista, o ex-diretor se recusou. A mudança veio após um telefonema anônimo recebido por Pinho, em tom de ameaça.
“Eu estava dirigindo de Valinhos a São Paulo, na Rodovia Bandeirantes, no começo da noite da quinta-feira (5), quando recebi por viva-voz a ligação de um número desconhecido. Um homem disse que não ia aceitar, que esse complô ia ser desmantelado, que era para eu parar de falar. Disse que o Silvio era sócio de grandes escritórios de advocacia, do Walfrido Warde [famoso advogado, principal sócio de uma grande banca de advocacia e sócio de Almeida na advocacia antes de o ministro entrar para o governo Lula]”, contou Pinho.
“Interpretei que, se eu falasse qualquer coisa, seria processado. Não faço ideia de quem seja. Ficou claro para mim que é uma intimidação pela via jurídica. Eu nem tenho advogado. Para mim, foi a gota d’água. Estou dando esta entrevista para me proteger. Estou com medo. ‘Não vou aceitar. O complô vai ser desmantelado. Para de falar. O Silvio é sócio de grandes escritórios de advocacia. É sócio do Walfrido Warde’, disse a voz”, completou.
Por fim, Leonardo Pinho disse estar com medo e decepcionado. “O mínimo que ele fez comigo no ministério é assédio moral. Eu vejo até nomes piores do que ele fez, pode ser ameaça. Eu li os manuais de assédio moral do Ministério Público do Trabalho, de sindicatos. Está tudo lá. No governo Bolsonaro, tive reuniões com a Damares Alves, então ministra de Direitos Humanos, e com o general Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde. Nunca fizeram algo parecido comigo. A relação tinha uma institucionalidade mínima. Imagina ver isso do Silvio, alguém que você ajudou a construir para o cargo, alguém por que você se dedicou, você acreditou. É doloroso, pessoalmente falando. É um baque. Eu ajudei o Silvio a chegar ao ministério, defendi o projeto. Sei que não deveria, mas estou até me sentindo corresponsável. 2023 seria o ano do sonho, de voltar a algum grau de civilidade no Brasil. E aí eu recebo a incivilidade. Apenas estou relatando o que ei, o que eu vi. Sinceramente, estou com medo.”
Procurado, Silvio Almeida não respondeu à coluna nem se manifestou após a publicação da entrevista de Leonardo Pinho.