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Entenda dívida de MG com a União em 6 pontos; valor cresceu 1000% desde 1998
Dívida de Minas Gerais com a União começou em 1998, em R$14,8 bilhões, mas submetida a juros e correção monetária, cresceu mais de 1000% e chegou a R$156,7 bilhões

Avaliada em R$156,7 bilhões, a dívida de Minas Gerais vem ando por prorrogações do pagamento e debates intensos desde 1998, quando foi negociada com a União pela primeira vez. Vista como um ‘bicho-papão’ por muitos, a dívida começou, na verdade, como uma forma de aliviar os cofres públicos de Minas Gerais no fim da década de 1990.
Na época, os entes da federação costumavam usar a inflação como forma de arrecadação de recursos, já que ela era extremamente alta e volátil. Com o Plano Real, essa técnica deixou de ser benéfica, e os Estados aram a ter dificuldades de financiar políticas públicas. É o que explica o superintendente de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Pedro Henrique Azevedo.
“Hoje em dia o Estado se financia por meio de impostos e por meio de dívida, ou seja, a gente se endivida para realizar uma despesa. Na época (1990), tinha como usar a inflação, que era benéfica, porque era muito rápida e muito alta. Quando as pessoas pagavam os impostos, já pagavam com inflação. No caso da dívida, o Estado emitia título e pegava dívida para realizar política pública”.
Assim, em 1998, o então governador Eduardo Azeredo (PSDB) assinou contratos com o governo federal, a fim de ar a dívida do Estado para a União. Em contrapartida, Minas Gerais assumiria uma dívida do Planalto com a Cemig - que foi completamente quitada em 2012, após o governo de Antônio Anastasia (PSDB) conseguir um empréstimo estrangeiro - e pagaria uma quantia de R$14,8 bilhões de forma parcelada e sujeita a correção monetária e juros. De lá pra cá, esse débito ou por várias tentativas de renegociação e prorrogação do pagamento, até chegar em 2023 acrescido em mais de 1000%.
O TEMPO separou seis pontos para você entender a origem dessa dívida bilionária.
1- Venda de títulos
O primeiro contrato firmado entre Minas Gerais e a União dizia respeito à dívida obtida pela venda das Letras Financeiras do Tesouro Estadual (LFTE). Como forma de arrecadar dinheiro para financiamento de políticas públicas, Minas Gerais começou a emitir títulos por conta própria, às vezes vendidos por 30% ou 40% do preço original, e assim acumulou uma dívida. A União, então, se ofereceu para arcar com esse débito, e o estado pagaria de volta gradualmente, em parcelas sujeitas a juros.
“Minas começou a emitir títulos porque não tinha dinheiro para políticas públicas como um todo. Ao longo do tempo essa dívida começou a ficar cada vez maior e o estado começou a ficar numa situação mais tensa. A União virou e falou o seguinte: ‘eu vou te socorrer, vou liquidar seus bancos, e assumo a dívida de Minas com seus bancos públicos, e você me paga gradualmente’”, conta Pedro Henrique Azevedo.
Este contrato foi fechado no valor de R$10.185.063.760,20, em valores da época, com pagamento de juros anual de 7,5% mais a correção da inflação.
2 - Programa de Apoio à Reestruturação e Ajuste Fiscal dos Estados (PROES)
Como no final da década de 1990 diversos estados apresentavam dificuldades financeiras e déficit, o Governo Federal lançou o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes). O Proes criou linhas de crédito que renegociaram as dívidas dos bancos estaduais, no caso de Minas, o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge) e o Banco de Crédito Real de Minas Gerais (Credireal).
Até 2002, todos os estados do Brasil haviam aderido ao programa, com exceção do Mato Grosso do Sul, Tocantins, Paraíba e do Distrito Federal. Em quatro anos, o Proes privatizou dez bancos estaduais - inclusive os dois de Minas Gerais; extinguiu outros dez e transformou 16 em agências de fomento.
Este foi o segundo contrato que daria início à dívida com a União, fechado no total de R$4.344.336.000,00, com pagamento de juros anual de 6,6% e correção da inflação.
3 - Valor limite de pagamento da dívida e incidência de juros
Agora, Minas Gerais possui um credor único, o que, em teoria, ajudaria o estado a quitar a dívida de forma organizada. Para não prejudicar o volume de recursos destinados às políticas públicas estaduais, a União determinou que Minas Gerais só poderia pagar, em cada parcela, um valor de até 13% da sua receita líquida real. Ou seja, o valor destinado à quitação da dívida dependia diretamente do quanto o estado havia arrecadado naquele ano.
O problema é que o valor pago não era o suficiente para abater a dívida, que estava sujeita à juros. Isso significa que a cada parcela o valor aumentava ainda mais, virando uma bola de neve.
“É como se fosse uma dívida de cartão de crédito. Vamos supor que a fatura é de R$15 mil, mas para não prejudicar o seu salário inteiro, o banco fala que você só pode pagar até R$10 mil. Mas no próximo mês, a correção dos R$5 mil que ficaram faltando é tão grande, que a dívida ou para R$20 mil”, explica Pedro Henrique Azevedo.
4 - Índice de correção monetária
Desde 1998, a inflação no Brasil cresceu, e por isso foi necessário recalcular o valor de R$14,8 bilhões inicialmente devidos por Minas à União. Para isso, na época, foi decidido que cada parcela do pagamento estaria sujeita a um índice de correção monetária: o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna).
Esse índice é calculado pela Fundação Getúlio Vargas e projeta a inflação futura a partir do preço do dólar. Por causa do Plano Real, o dólar estava ainda mais barato do que a moeda brasileira, o que fazia com que o índice fosse benéfico para Minas Gerais, já que aumentaria pouco o valor da dívida a cada parcela. Contudo, isso mudou.
Com o ar dos anos o preço do dólar foi subindo, influenciando no valor da dívida. Chegou um momento em que o IGP-DI apresentava o dobro de variação do que outros índices, e por isso o Congresso Nacional concordou em modificar o índice que calcularia a correção monetária da dívida. Em 2014 foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (I) da Dívida Pública na Câmara dos Deputados, que determinou a mudança do IGP-DI para a Selic ou IPCA + 4%, o que fosse menor.
A Selic é o índice que calcula a taxa básica de juros da economia brasileira, e é definida pelo Banco Central para controlar a inflação. Costuma ser usada em operações com títulos públicos federais. Já o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) é o índice que mede a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, e é calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“O cálculo da dívida ou para o IPCA, o índice de inflação normal, mais 4% limitado à Selic. Ou seja, se a soma do IPCA mais 4% for maior que a Selic, a gente usa a Selic, se for menor, usamos ela. Isso aconteceu porque consideravam que o IGP-DI era muito gravoso para o crescimento da dívida do estado, então quiseram adotar um índice mais suave. Mas isso é um problema também, porque hoje o IGP-DI está menor que o IPCA, então hoje a correção com IGP-DI seria melhor. Isso mostra que mudar o índice por si só não vai ajudar sempre”, comenta Pedro Henrique Azevedo.
5 - Lei Kandir
A aprovação da lei complementar brasileira nº 87, conhecida como Lei Kandir, teve um impacto indireto no aumento da dívida de Minas Gerais. Isso porque essa lei, aprovada em 1996, determinou que os estados deixassem de cobrar o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nas exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, minérios e agropecuária.
Alguns estudos econômicos mostram que Minas Gerais deixou de recolher cerca de R$135 bilhões pela falta do recolhimento do ICMS, mas esse valor ainda é debatido, já que não se tem certeza se o estado conseguiria vender a mesma quantidade de produtos caso cobrasse o valor extra do imposto. Pedro Henrique Azevedo explica:
“A Lei Kandir não influencia a dívida em si, mas o financiamento do estado. O Brasil exporta commodities, como minério, e incide sobre a produção do mineiro o imposto ICMS, que é estadual. Mas, na economia mundial, para mandar um produto para o exterior, você tira seus impostos para conseguir competir com os preços de outros países. Só que na hora que se tira os impostos, o estado deixa de arrecadar na venda no mineiro. O grande problema é que não tem como eu saber, se eu mandasse o mineiro para fora com o valor do imposto, se ele venderia da mesma forma como vendeu no ado sem esse valor acrescido”.
Ainda assim, muitos especialistas argumentam que esta lei influenciou negativamente na arrecadação do estado e, portanto, na receita líquida real. Como o estado só poderia pagar nas parcelas até 13% dessa receita, o valor abatido era menor do que poderia ser. A União se comprometeu a ressarcir esse valor, mas críticos afirmam que o pagamento nunca foi o suficiente.
Este é, inclusive, um dos pontos debatidos na proposta alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) apresentada pelo presidente do Congresso Nacional, o senador mineiro Rodrigo Pacheco (PSD).
6 - Regime de Recuperação Fiscal (RRF)
Desde o surgimento da dívida de Minas Gerais com a União, governadores do estado tem tentado prorrogar prazos de pagamento ou renegociar o valor, mas nunca houve sucesso. Pelo contrário, algumas medidas acabaram aumentando o montante devido.
Em 1999, o então governador Itamar Franco (PMDB) pediu um prazo de 90 dias para analisar a dívida e tentou desassociar o estado a este débito. Conhecida como "moratória de Itamar", essa medida fez com que a dívida crescesse em 84,11%, saindo de R$18,6 bilhões para R$34,3 bilhões. Durante o governo de Aécio Neves (PSDB), entre 2003 e 2010, a dívida cresceu 87,75%, saltando para R$64,4 bilhões.
Em 2017, o ex-presidente Michel Temer (MDB) sancionou a lei do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que permite a renegociação da dívida dos estados com a União sob uma série de regras estipuladas. Um ano depois, ao fim de seu governo, o então governador Fernando Pimentel (PT), conseguiu uma liminar na Justiça que suspendia o pagamento da dívida por cinco anos, na época avaliada em R$114,3 bilhões. A decisão vence no dia 20 de dezembro de 2023.
A suspensão do pagamento da dívida não significou, no entanto, o fim da cobrança de juros. É por isso que nos últimos cinco anos, em que Minas não pagou nada da dívida, o montante total devido cresceu 44,97%, chegando a R$156,57 bilhões. É aí que entra o debate entorno do Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
O governador Romeu Zema apresentou o primeiro projeto ainda em 2019, mas ele foi arquivado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foi apenas em junho deste ano que os deputados voltaram a apreciar o projeto, repleto de polêmicas.
“O que o regime de recuperação fiscal faz é uma forma do estado arrumar a casa primeiro, e assim ar a ter condições de efetuar o pagamento da dívida mais adiante. Este regime estabelece um teto para despesas primárias e tudo que o estado arrecada além desse teto poderia ser usado para o pagamento da dívida”, Pedro Henrique Azevedo ressalta.
Entre as propostas da RRF de Zema então a venda da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) à iniciativa privada, controle de gastos, com a concessão de apenas duas recomposições inflacionárias para os funcionários públicos em nove anos, aumento da receita tributária, a redução de benefícios fiscais, a venda da folha de pagamento e a suspensão de novos concursos públicos, realizando apenas aqueles já previstos.
Como alternativa ao RRF, o presidente do Congresso Nacional, o senador mineiro Rodrigo Pacheco (PSD), em parceria com o presidente da Assembleia Legislativa, Tadeu Leite (MDB), apresentou um projeto ao Governo Federal que propõe a federalização da Cemig, Codemig e Copasa. Ele propõe, ainda, que o Estado ceda à União o crédito a que terá direito do acordo de reparação do rompimento da barragem da Mina do Fundão, em Mariana, em 2015; e que o Executivo federal abata da dívida os R$8,7 bilhões do acordo firmado entre o governo Zema e a União para compensar as perdas de arrecadação com a Lei Kandir.
Para que o estado possa analisar a nova proposta, o Supremo Tribunal Federal permitiu a prorrogação do prazo para a volta do pagamento da dívida em 90 dias. Ou seja, até o dia 20 de abril, Minas Gerais não precisa pagar as parcelas da dívida, que continua crescendo sob influência de juros.