A “pejotização”, o STF e a Justiça do Trabalho
Divergências de decisões entre as Cortes
Muitos são os operadores do direito que entendem existir um pontual conflito de competência e uma espécie de cabo de guerra entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça do Trabalho. Os três últimos anos foram sublinhados pelas divergências em decisões proferidas pela Justiça do Trabalho e pelo STF, notadamente no que se refere à “pejotização”, que consiste na contratação por empresas de prestadores de serviços como pessoas jurídicas, evitando criar uma relação de vínculo empregatício formal e isentando o contratante dos encargos da CLT.
A reforma trabalhista de 2017 tornou legal a terceirização de toda e qualquer atividade. Mas, no ano seguinte à aprovação da reforma, um novo entendimento foi consolidado pelo STF, que decidiu que a terceirização seria possível de forma ampla e irrestrita – sem fazer a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim –, contrariando o entendimento da Justiça do Trabalho.
Em 2022, o STF decidiu pela primeira vez pela legalidade da “pejotização”, em um caso que envolvia a contratação de médicos como pessoas jurídicas por um hospital de Salvador (BA). A partir daí estabeleceu-se uma grande confusão de conceitos, pois nem todo caso de “pejotização” pode ser interpretado como uma forma de terceirização.
A grande questão é que, se por um lado existem trabalhadores autônomos que têm suas empresas para prestar serviços a uma ou mais empresas, por outro há aqueles profissionais que constituem empresas por exigência dos contratantes, embora trabalhem obedecendo aos requisitos do artigo 3º da CLT, que considera empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Apesar de o STF manter efetiva e inatacável a jurisprudência formalmente respaldada em julgamentos de recursos anteriores (ADPF 324, ADC 48, Adis 3.961 e 5.625, e tese firmada em repercussão geral no julgamento do RE 958.252 – Tema 725), ainda assim a Justiça do Trabalho defende seu ponto de vista e segue condenando a ilicitude de certas terceirizações e “pejotizações”.
Como resultado, repercute um elevadíssimo número de reclamações constitucionais que culminam em centenas de decisões do STF anulando as sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho, que por sua vez se sente cada vez mais diminuída, diante das ameaças de esvaziamento de sua competência e constante cassação pelo STF de entendimentos até então consolidados na Justiça especializada.
Diante do imbróglio, o STF suspendeu, no último dia 14, a tramitação de todos os processos do Judiciário sobre “pejotização”. E, em face da repercussão geral itida, uma solução normativa deverá surgir por meio de decisão colegiada da Suprema Corte.
Em suma, vale observar que o legislador no seu ofício tentou privilegiar mecanismos de pacificação social da atividade jurisdicional, e não desrazões e insegurança jurídica com ruídos e conflitos em uma relação que deveria ser exemplarmente harmoniosa.