A branquitude seria algo de que se orgulhar tal qual a negritude? A resposta para esse questionamento, ao contrário do que possa parecer, não é imediata nem pode ser elaborada apenas no fato de você gostar de ter a pele clara ou escura. Por trás dessa pergunta, está a necessidade de conhecer conceitos e a nossa formação étnico-racial. Mas vamos por partes.
Em um ado recente, a negritude não era vista como motivo de orgulho por uma camada considerável da população. O raciocínio era até simples: após a escravização de pessoas negras, convencionou-se considerar tudo referente a essa camada da população como inferior. E era óbvio pensar que atrelar a imagem a algo que naquele contexto o pudesse reduzir não fazia sentido. Porém, é também evidente que ninguém deixa de ser preto porque não diz que o é. Aliás, a leitura social que é feita de cada pessoa é o que define como ela vai se relacionar com os demais ao redor. Com palavras mais diretas: o racista identifica negro e o exclui em qualquer condição.
ado um período, as pessoas aram a entender melhor o processo do racismo estrutural e a importância dos anteados negros para a formação do Brasil. Ao contrário do que a história contada nas salas de aula nos fez acreditar, houve protagonismo preto em muito da nossa história. E está aí a necessidade de reafirmação da negritude como sinônimo de resistência e força, apesar da tentativa de eliminação de povos negros.
Mas, como prometido no título, e a “tal” branquitude? Primeiro, branquitude não significa gradação de cor branca de pele. É um termo que fala sobre um sistema que traz benefícios para a camada da população identificada como branca.
Aí alguém vai responder: “Eu sou branco, pobre, levanto cedo todo dia e não tenho privilégio nenhum na minha vida”. Aqui entra mais uma lição: essas vantagens não são dinheiro caindo diretamente na sua conta ou possibilidade de não trabalhar para viver confortavelmente. Em alguns casos, sim, pode até chegar a isso. Mas, na média, estamos falando de outras questões. Não ser visto como suspeito só porque está correndo de boné é um deles.
Vi recentemente um vídeo de parte de uma palestra da professora doutora em psicologia social Lia Vainer Schucman, que é especialista em branquitude e equidade racial. Ela falou sobre a pesquisa de doutorado, quando questionou para dezenas de pessoas o que era ser branco para elas e se tinham vantagens em função de serem brancos. Um homem branco em condição de rua respondeu que, para ele, ser branco é poder usar o banheiro do shopping sem ser barrado, o que os parceiros negros dele não conseguiam. Notem que até mesmo na escassez extrema é possível ter vantagens.
Cida Bento criou a expressão “pacto narcísico da branquitude” ao notar que há uma espécie de proteção inconsciente entre pessoas brancas. O que ocorre é que se convencionou colocar a condição de ser branco como neutra e “universal”. Dessa forma, o “outro” é sempre o não branco. Por questão de identificação, uma pessoa branca tenderá a defender seus pares, uma espécie de preservação mútua, que acaba garantindo a perpetuação dos privilégios. Complexo falando assim, né? Em entrevista ao “Roda Viva”, Cida Bento resumiu: “É um pacto não verbalizado que mantém o mesmo segmento, em geral masculino e branco, nos lugares de poder no país”. E o que sustenta, mesmo após o fim da escravidão, essa lógica social é o fato de brancos protegerem seus pares, mantendo sempre os iguais nos espaços de decisão. Quando um grupo é visto como o naturalmente apto para estar nos melhores espaços, indiretamente, todo branco, mesmo os não racistas, são de certa forma privilegiados. Agora temos elementos para responder nossa pergunta inicial: é motivo de orgulho beneficiar-se de um sistema que exclui uma camada da população? Agora é com você.