Adeus, Affonso
Escritor, poeta, ensaísta e jornalista mineiro sofria de Alzheimer desde 2017 e havia recentemente perdido sua companheira de vida
Quando vi nas redes sociais a inesperada notícia da morte de Affonso Romano de Sant’Anna, no final da tarde de terça-feira de Carnaval (4 de março), imediatamente, ascendeu à minha memória sua confissão, no dia 23.3.1988: “Quando Rubem Braga me ligou nesta manhã, anunciando a morte de Hélio Pellegrino, eu estava assentado para escrever a crônica para o ‘JB’. Diante desta notícia todos os demais fatos e temas de crônicas são desimportantes”.
O escritor, poeta, ensaísta e jornalista mineiro sofria de Alzheimer desde 2017 e havia recentemente perdido sua companheira de vida, a também escritora Marina Colasanti, falecida em janeiro ado. Affonso foi ao encontro de quem sempre lhe foi mais importante.
Eu o conheci na década de 1980, quando lançamos no Cedeplar/UFMG o Seminário sobre a Economia Mineira, hoje Seminário de Diamantina, realizado bianualmente na histórica cidade, localizada na serra do Espinhaço. O evento sempre teve um foco abrangente sobre Minas Gerais, considerando sua história econômica, política e social, suas condições estruturais e sua cultura; neste caso, sob a liderança do saudoso professor Francisco Iglesias. Affonso Romano de Sant’Anna foi um participante frequente dessas efemérides, convivendo com professores e estudantes da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, convidados e a população local, em dias e noites memoráveis. Antônio Candido era outro intelectual mineiro, como Affonso, frequentador assíduo desses encontros. Outros, como Fernando Brant, Otto Lara Resende e José Murilo de Carvalho, também estiveram conosco em anos diferentes.
Em um desses seminários, nos idos de 1980, Affonso fez uma análise sobre as razões que determinaram a ida de intelectuais mineiros para o Rio de Janeiro. Segundo ele, primeiro foram os que acompanharam os políticos mineiros, como Gustavo Capanema e Carlos Drummond de Andrade; mais tarde, seguiram os que acompanharam as filhas dos políticos, como Fernando Sabino e Otto Lara Resende; por fim, os que fugiram dos políticos, depois do golpe militar de 1964, como ele próprio, Affonso.
Affonso Romano de Sant’Anna graduou-se e concluiu seu doutorado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFMG. Esteve sempre presente no debate público sobre temas de interesse da sociedade brasileira. Foi um ferrenho defensor da leitura de livros.
Concluo, reproduzindo parte de sua crônica-poema “O telefone e o amigo morto”, dedicada a Hélio Pellegrino, diante da notícia de sua morte: “Nesta límpida manhã de março o telefone ainda não anunciou a morte do amigo. A lagoa e as montanhas sabem já que algo morreu longe de mim e, no entanto, disfarçam a notícia numa cumplicidade azul. Quanto tempo levará ainda esta notícia retida em outras bocas e ouvidos até me atingir como um tijolo no peito?... O telefone, porém, ainda não soou”.
Hoje não se precisa mais aguardar um telefonema, as notícias chegam como raio, em tempo real. Adeus, Affonso