Macunaíma mutante
Sem abandonar o rigor acadêmico, Bacha resenha com leveza e humor três obras de Afonso Arinos, que versam sobre história econômica
Nestes primeiros dias do ano, tive o privilégio de ler o texto de Edmar Bacha escrito para integrar o livro que está sendo organizado por Rogério Faria Tavares e Arno Wehling para celebrar os 120 anos de Affonso Arinos de Melo Franco, intelectual e político mineiro.
Sem abandonar o rigor acadêmico, Bacha resenha com leveza e humor três obras de Afonso Arinos, que versam sobre história econômica, produzidas entre o final da década de 1930 e a primeira metade da década de 1940.
Em “História do Banco do Brasil (Primeira Fase – 1808-1835)”, chamaram minha atenção a riqueza de informações e as circunstâncias da atuação do banco nas primeiras décadas do império. Não. Não vou antecipar aqui o conteúdo do precioso artigo de outro mineiro, Edmar Bacha. Aguardem o lançamento do livro.
Quero, sim, valer-me desta oportunidade para colocar luz sobre a presença mutante do desequilíbrio fiscal e financeiro do Estado na história econômica do Brasil. Cariello e Pereira (2022), em “Adeus, Sr. Portugal”, já haviam mostrado o impacto da crise fiscal para a Independência do Brasil. Criado por dom João VI, em 1808, o Banco do Brasil foi um emissor de crédito para financiar a Coroa, cuja fonte eram emissões de suas próprias cédulas. Bacha observa que a tese de Cariello e Pereira provavelmente também se aplicaria à abdicação de dom Pedro I, em 1831.
No correr dos anos, a simbiose entre o império e o banco resultou na queda de confiança na moeda, corridas bancárias, intervenção policial e liquidação das suas atividades, em 1829. Eventos que não aram despercebidos pelo Parlamento. Ao contrário, foram explorados politicamente. Como é bom ter uma fonte extraorçamentária de gastos.
Recriado em 1851, o BB tornou-se instituição pública, já na república, em 1905, quando o governo o resgatou para evitar sua falência. A relação umbilical do novo Banco do Brasil com o governo continuou nas décadas seguintes, mesmo depois da criação do Banco Central (1964), sendo cortada somente em 1986, com o fim da “conta movimento”.
Porém, Macunaíma não desistiu, transmudou-se. Na república, a irresponsabilidade fiscal se reproduziu nos Estados. Na década de 1980, os bancos estaduais operavam como braço financeiro dos governos, provendo-os de recursos para financiar gastos correntes (folha de pagamento), investimentos (empreiteiras) e para rolar diariamente a dívida mobiliária. Sendo, efetivamente, emissores de moeda. Um rolo explosivo que iria cair no caixa da União. Quem ainda se lembra de Banespa, Banerj, Bemge, Credireal, Banestado etc.?
Somente no primeiro governo FHC (1996) foi criado o programa Proes para privatizar esses bancos e fechar a via de emissão de moeda pelos Estados. E as dívidas dos Estados foram federalizadas. Mas não parou aí.
Mutante e imortal, Macunaíma renasce agora na forma do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).